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Artigo

Cera e cerol

12 de Março de 2019 as 16h 42min

Um dos projetos de lei aprovados na sessão da Câmara de Sinop desta segunda-feira (11), foi o 004/2019, que proíbe a fabricação, comércio e uso do “cerol” – aquela cola com pó de vidro utilizada pela molecada para “afiar” as linhas de soltar pipa.

A matéria foi proposta pelo vereador Joacir Testa (PDT), autor do projeto de lei. Esse é um daqueles tipos de projetos que parecem justificar a necessidade do município ter 15 vereadores. Mas vamos olhar mais de perto.

O quão grave é o problema do cerol em Sinop? É bem verdade que o material tem um potencial para decepar membros e até mesmo matar uma pessoa – sendo um risco eminente para motoqueiros. A combinação de velocidade, cerol em uma linha de pipa, capacete e um pescoço desprotegido é praticamente uma guilhotina.

Eu busquei os registros de acidentes com cerol em Sinop nos últimos 10 anos. O único que encontrei foi um caso de 2017, quando Ilda Pereira, uma confeiteira que vinha pela Avenida dos Ingás, enroscou o pescoço em uma linha de pipa. O acidente resultou em um corte de uns 4cm e um baita susto.

Na prática, o projeto do vereador ataca um problema que não existe ou que estatisticamente é insubstancial. Um cético poderia dizer que o legislador está se antecipando, evitando uma tragédia futura. Para isso, no entanto, teria que acreditar que o poder executivo municipal irá, de fato, fiscalizar cada boteco de bairro, cada menino soltando pipa, para ver se a linha é ou não é cortante. Isso não vai acontecer.

O projeto se torna mais inútil ainda quando se evoca o princípio pedagógico da legislação – quando uma lei assevera uma situação na tentativa de desestimulá-la. Não há lição no projeto de lei apresentado pelo vereador porque já existe uma legislação estadual, mais antiga e dura.

Estou falando da lei 8845/2008, sancionada na época que Blairo Maggi ainda era governador. Testa chegou 11 anos atrasado se a sua intenção era alertar sobre o risco do cerol. E também não colocou medo.

O projeto de lei do vereador prevê como punição – para quem fabricar, vender ou usar cerol em Sinop – uma multa de 200 Unidades de Referência Fiscal – que em valores atuais daria R$ 526,00. A multa dobra em caso de reincidência.

Já a lei estadual, que existe desde 2008, estabelece uma multa de R$ 1.383,60 para quem soltar a pipa da morte. O valor dobra se houver reincidência. Nesse caso, se seu plano for arrancar a orelha de alguém enquanto aproveita os ventos quentes de Sinop, o melhor é ser enquadrado na lei do vereador.

O caso do cerol é um só mais um exemplo da “cera” que as casas legislativas tem feito. Vereadores e deputados produzindo uma quantidade volumosa de ações para dar uma impressão de que trabalham vigorosamente mas que, no final, só serviu para manter o lustro. Nesse ano, em 5 sessões, a Câmara de Sinop já apresentou 31 requerimentos. Além de 77 indicações. Dá aquela impressão de que um trabalho hercúleo está sendo feito, mas na hora que a bateia sai da água só sobra pirita.

O exemplo desse assunto acabou sendo o projeto apresentado por Joacir Testa. Mas a reflexão é para Câmara de uma forma geral. Se o clamor da república é uma nova política, o natural é que a reforma comece pela base. Precisamos elevar o nível do ofício de vereador para então alçar novos horizontes. Àqueles que não o forem capaz, peço: vão dar linha pra pipa.

Jamerson Miléski

O Observador