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Artigo

Da bolha para Câmara

02 de Julho de 2020 as 13h 38min

“Bolha da internet” é o termo utilizado para descrever a alienação promovida pelas redes sociais. De forma simples, se você procura por vídeos de “gatinhos”, o YouTube, Facebook ou outra plataforma similar, vai te indicar mais vídeos de gatinhos. Se você clica nesses vídeos recomendados, a plataforma entende que é esse seu interesse, e segue recomendando apenas esse conteúdo. “Gatos” são um exemplo inofensivo.

O problema da “bolha” é quando adultos pouco habituados com a atmosfera da internet começam a consumir conteúdo de cunho social, político e, por incrível que pareça, “científico”. O algoritmo dessas plataformas faz com que você mergulhe em um sortido mundo de um só sabor: Se você começou simpatizando com o PT, todo conteúdo que plataforma vai te oferecer é simpático ao petismo. O mesmo vale para quem acompanha o “Mito”. Depois de um tempo, a avalanche de conteúdo unilateral é tamanha que faz a pessoa pensar que, qualquer informação diferente daquilo que ela habitualmente consome ou é “fakenews” ou vem de alguém que “não está informado de verdade”. Afinal, aquilo que você consome é sim verdade. Mentira é tudo aquilo diferente do que você gosta [ironia].

Além do viés de confirmação (todo ser humano gosta de estar certo), a “bolha” se forma porque esse mamífero bípede costuma ser preguiçoso. Clicamos naquilo que a plataforma oferece. Poderíamos procurar outra coisa, mas não fazemos. E não fazemos porque andamos consumindo conteúdo, político, social e científico, como consumíamos entretenimento antes dessas plataformas: assistindo o que passa. Antes era novela, show de calouros e pegadinhas. Agora são “verdades” sobre a política, o Brasil, o mundo, Deus, medicina, ciência e a terra plana. Tudo na mesma bandeja, consumido com o mesmo rigor, atenção e critério que fazíamos com uma vídeo-cassetada (com “ss” mesmo, do tempo do vídeo cassete).

Um dos “sintomas” de que você está dentro de uma bolha é quando, para convencer outras pessoas, apresenta os vídeos “iluminados” que você consome. Sabe quando você está discutindo com uma pessoa divergente no Whats ou no Face, aí começa faltar argumentos e você manda aquele link dizendo: “assiste esse vídeo”. A pessoa está tão convicta de que aquilo é a verdade plena que, se mostrar para seu adversário debatedor, ele também será convertido.

Acho que a maioria das pessoas faz isso. Mas poucas conseguem levar o conteúdo da sua “bolha” para exibir na Câmara de vereadores. Leonardo Visera, do partido Patriota, fez essa proeza. Na sessão desta segunda-feira (29), ele reivindicou o telão da Câmara para mostrar a sua “verdade”. Trouxe um recorte, de uma live, que o jornalista Alexandre Garcia fez com médicos. Naquela conversa por vídeo conferência, apresentou-se a “cura” para o Coronavírus: Ivomec e Cloroquina para todo mundo. O ponto de partida para a “live” era uma experiência registrada por um médico da cidade de Porto Feliz – interior de São Paulo, cidade com 58 mil habitantes. Esse profissional narrava o cenário de uma pandemia quase inexistente, graças as tais medidas. “E essa live teve mais de um milhão de pessoas assistindo”, frisou Viseira.

Para o vereador, os dois apelos a autoridade (Alexandre Garcia + os médicos) e o volumoso número de 1 milhão de pessoas vendo, eram suficientes para que, a partir do dia seguinte, Sinop mudasse toda sua estratégia para prevenção do Coronavírus. Pronto! Com um “link” o vereador salvou nossa cidade.

Vamos estourar essa bolha. Primeiro, 1,3 milhão de pessoas (número da live até agora), é “cisco” no ambiente da internet. É número de bolha. Segundo: não importa se é o Papa, o Albert Einstein ou a minha mãe que está falando. O que importa é aquilo que foi dito. Se tem respaldo científico, se foi (ou pode ser) testado, e a veracidade pode ser verificada. Do contrário é só uma bobagem dita por uma grande pessoa.

Então, a live do Visera não serve para nada. Para valer algo, o experimento de Porto Feliz-SP precisa ser registrado, mensurado e publicado, em revista científica, revisado por pares. Só assim poderá ser replicado em outros ambientes – de preferência controlados. Caso os mesmos resultados sejam confirmados, a teoria do Ivomec ganha força. E assim, se torna “segura” à medida que diferentes pesquisadores, em diferentes ambientes, seguiram a mesma técnica e tiveram os mesmos resultados.

Visera, não se faz gestão na saúde com vídeo da internet. A secretaria municipal vai continuar seguindo o que preconiza o Ministério da Saúde. Mesmo quando um médico “iluminado” de Pirassununga do Norte vier falando que chá de própolis é a cura.

Se comigo falando é difícil de compreender, podemos ficar com a fala de outro vereador, na mesma sessão. Como disse Joacir Testa (PSDB), “quem orienta as questões em um momento de pandemia é a ciência”. Sim! Sinop e as pessoas do mundo continuarão cuidando da saúde alicerçadas sobre o conhecimento científico, não com benzedeiras ou garrafadas.

Jamerson Miléski

O Observador