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Artigo

Essa tal imparcialidade

29 de Maio de 2015 as 19h 12min
Fonte: Jamerson Miléski

Deus disse que os pecadores irão queimar no fogo do inferno e chorar pela eternidade no tridente de satã. Nossa reportagem entrou em contato com o Diabo que afirmou que seu estabelecimento é uma opção de alojamento para aqueles que não conseguem ter acesso ao céu e que não há qualquer tipo de descriminação das pessoas que ingressam nele.

Esse talvez seja o conceito mais absurdo e essencialista de imparcialidade. Ser plenamente imparcial é não fazer distinção de nada, nem mesmo do bem e do mal, do certo e do errado, dando a mesma importância e valor para ambos. Você é imparcial? Ninguém é.

Milito na imprensa há quase 14 anos. Desde então o que mais escuto é que a imprensa precisa ser imparcial. No começo da jornada, fiz disso uma busca. Quando passei pelas cadeiras da academia, ouvi o mesmo mantra. Até o momento que percebi que era impossível ser imparcial. Por mais rebelde que o jornalista fosse – e eu era bem rebelde.

O termo “imparcialidade” não passa de um eufemismo. A imprensa pode não fazer juízo de valor nas suas publicações, pode buscar ouvir todos os lados envolvidos e noticiar sem dramatizar ou apelar para o emocional. Isso fará dela isenta e, quiçá, responsável. Mas nunca imparcial.

A partir do momento que um assunto é escolhido, a imparcialidade já desapareceu. Quando um jornalista opta por divulgar um acidente de ônibus ao invés dos 300 ônibus que estão rodando perfeitamente, ele foi parcial. Quando chega ao local e enfatiza o número de mortos e feridos ao invés dos sobreviventes, ele foi parcial. Quando diz que foi falha do motorista sem comentar que este mesmo profissional dirigiu na mesma rota por 22 anos, ele foi parcial.

Ser imparcial seria dar o mesmo espaço para o pacote de governo da presidente da República que você daria para a assembleia de moradores do Jardim Celeste. Quando você escolhe o conteúdo presumindo sua importância, você foi parcial.

Esses são os fatores da prática jornalística que tornam impossível ser imparcial. Ainda existem os outros, que poderiam ser desviados, mas que são extremamente presentes neste meio. Os veículos de comunicação (TODOS), não gostam de parecer, mas são empresas. Possuem despesas que são pagas com acordos comerciais. Seja interesse político, empresarial ou mesmo por audiência, todos direcionam seus conteúdos para gerar dividendos. Não se iluda quanto a isso.

Ainda existem as censuras de tempo, espaço e estrutura. Muitas vezes, mesmo querendo, o veículo de comunicação e o jornalista não conseguem fisicamente fazer tudo, apurar tudo, publicar tudo, sem comprometer o dinamismo necessário da comunicação.

Então porque as pessoas cobram tanto imparcialidade?

Porque elas foram condicionadas a cobrar. O consumidor médio de notícia não está preparado para informações imparciais. Tudo que é muito equilibrado ou elaborado demais não é deglutido pelo brasileiro padrão. As matérias mais importantes e bem elaboradas do nosso veículo de comunicação são as que tem menos acessos. Bizarrice, tragédia e comédia são disparados os líderes em acessos. Ainda assim, a mais acessada de nossas reportagens fica atrás de muitos videozinhos de bobagem que circulam no Whatsapp.

O cidadão quer falar que a imprensa tem que ser séria, responsável e imparcial, mas se ela for, ele não irá consumir. Vai preferir a novela, aquele reality ou o vídeo do celular. Mas protestar faz parte do seu metiê. E é exatamente por isso que o consumidor de notícia não quer imparcialidade. Ele quer ver na TV, no site ou no jornal a réplica fiel da sua opinião. Se não for, é imparcial, jornalista vendido, baba-ovo.

Isso acontece porque a massa das pessoas organizam seu pensamento e raciocínio como em um algoritmo binário: ou é 0, ou é 1. Não tem 0,325. A gênese desse comportamento remete bem ao início do texto, que deve ter deixado muitos desconfortáveis ao dar o mesmo espaço para o dito “bem” e o tal “mal”.

A cabeça maniqueísta faz com que as pessoas padronizem os seus pensamentos e dos outros. Ou é capitalista ou é socialista (como se não pudesse haver um outro sistema), ou 13 ou 45 (como se não pudesse simplesmente ser neutro); ou é Inter ou é Grêmio (coitado do Caxias). Você encaixota uma pessoa ou um comportamento para conseguir entende-lo. Se tiver mais de duas opções, o sistema trava. E sim! Você sempre vai escolher o que é mais similar aos seus conceitos.

Então, desapega e para de achar que existe imparcialidade.

Jamerson Miléski

O Observador