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Artigo

O milagre da Alquimia

01 de Junho de 2020 as 13h 02min

“O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração. Creio que com isto presto um bom serviço à humanidade. “ (Machado de Assis - O Alienista)

 

Não era a toa que Frederico queria de qualquer maneira tomar a Cloroquina. Ver sua tia Nevinha morrer, vítima do obscuro, o deixou estarrecido. Mulher de fibra, a senhora lutou para criar seus filhos e, deu grande exemplo para o sobrinho. Sempre pensou na família. Era muito comum ver todos em sua casa no fim de semana para o almoço de domingo que ela fazia questão de preparar. Era muito prestativa. A evolução da doença foi rápida e fatal. Tirou-lhe a vida em apenas dez dias. Não foi possível a despedida. O caixão permaneceu lacrado e os familiares, acompanhando de longe. Poucos foram os que realmente puderam participar do funeral.

As informações de todas as formas, cabíveis de várias interpretações, chegavam aos ouvidos de Frederico e, o deixava com muitas dúvidas. Uma vacina para doença ainda não havia sido inventada e, um medicamento que pudesse combater o vírus, ainda não havia sido desenvolvido até aqueles dias. Alguns estudos com outros medicamentos como antiparasitários, antibióticos, anti-inflamatórios, anticoagulantes e, até mesmo antivirais usados para outros vírus estavam sendo testados mas, havia uma ideia fixa para o uso da Cloroquina, um antimalárico quase secular. O remédio poderia ser uma opção para tratamento dos casos infectados. O que lhe chamava a atenção, eram as opiniões convergentes e contrárias para o uso deste medicamento que muitos diziam ajudar a evitar o adoecimento grave e, até mesmo a sua prevenção. Isso lhe despertava muitas dúvidas. Como um antiparasitário poderia possuir propriedades para combater um vírus?

As reflexões geradas lembraram as histórias contadas pelo seu avô, experienciadas ao final da Primeira Guerra Mundial. Uma grave doença, também viral, atacou o mundo e tirou a vida de sua tia bisavó, a tia do seu avô. A Gripe Espanhola, em 1918, deixou graves sequelas para a época e, o uso do sal de Quinino, chegou como uma poção mágica. Promessa para os gravemente adoecidos e, sem esperança. Sem comprovação científica sobre os resultados, o sal de quinino era distribuído à população, com o alerta de que o uso em excesso poderia causar perda de consciência. Muitas duvidas seguiram anos a fora a respeito do sal. A história repetia-se cem anos depois, com uma característica modernizada . Notava-se na face de Frederico, a angústia em ter que decidir se deveria tomar ou não o remédio. Uma vez tomada essa decisão, a segunda etapa seria há de conseguir medicamento pois era vendido somente com receita médica. Qual o médico lhe daria a receita? E se ele não acreditasse na eficácia do remédio? Como convencê-lo?

Alguns dias passaram e Frederico foi estudando, analisando os riscos e benefícios de tomar a droga milagrosa. Desistiu… Verificou que para ele, não valeria a pena arriscar tamanha aventura uma vez que não estava adoecido. Antonio e Manoel, dois vizinhos do lado de sua casa escolheram o uso por conta própria. A tomaram por cinco dias e apresentaram cefaléia, dor de estômago e visão embaçada. Como conseguiram o medicamento? Frederico lhe perguntou mas os vizinho não lhe contaram. ‘O que importa é que tomamos mesmo sem saber se vamos pegar a doença. Apenas tomamos’, disseram. Outra situação que soube Frederico foi a agressão sofrida ao médico do posto de saúde. Em uma consulta,na unidade uma mulher, verbalizou o desejo de tomar o medicamento e o doutor lhe negou a receita. Foi atacado a duros golpes de bolsa feminina cheia de produtos cosméticos. Ao final o profissional de saúde ficou cheio de hematomas pelo corpo que infelizmente foi impossível de ver devido ao pó de maquiagem que cobria a sua pele e as lesões.

Quando o desespero assume o lugar do racional, as pessoas perdem o controle sobre suas atitudes, seus atos. Quando algo misterioso manifesta suas forças, o pensar é substituído pelo agir onde as consequências podem ser desastrosas. Todos em detentores de sonhos e planos não desejam ter suas perspectivas interrompidas antes do previsto. Mesmo sem saber se tomou a decisão correta, Frederico passou pelo universo da incerteza mas com a certeza de que tomou sua melhor decisão. E, por aí afora ainda andam Fredericos, Antônios e Manoeis com suas convicções, decisões e atitudes. Quem está certo, não é possível saber, mas, que as discussões geralmente são inflamadas e não tem um desfecho. Seguem formulando ideias. Somente ideias, incertezas e perspectivas de algo que havia se transformado através do milagre da Alquimia.

 

*Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é apenas mera coincidência e não condiz com a opinião individual do autor.

 

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop/MT. Professor de medicina de pela UFMT campus Sinop. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica. Contato: email: juliocasemed@gmail.com

Júlio Casé

Artigo

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop/MT. Professor de medicina de pela UFMT campus Sinop. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica. Medico residente de Psiquiatria HMCL - SMS - São Paulo. Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: email: juliocasemed@gmail.com