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Artigo

O vereador e seu papai

17 de Agosto de 2019 as 12h 37min

Se eu dissesse para meu pai que lhe daria uma avenida de presente, ele me responderia: só por cima do meu cadáver. E esta não seria uma resposta mal educada. Na verdade, mostraria coerência do velho. Embora ele entenda que homenagem póstuma só serve para enaltecer os que ficaram vivos, meu pai sabe que a lei só deixa ser assim. Não se pode batizar um logradouro público com o nome de quem ainda respira. É o que versa a lei federal 6.454/77. Isso não significa que ninguém o tenha feito.

Sinop tinha duas dessas exceções a lei. A primeira, criada no dia 13 de dezembro de 1984 (não tenho como esquecer essa data porque é o aniversário da minha mãe e o ano do meu nascimento). O tom familiar desse texto é proposital. Afinal, essa primeira exceção é a Avenida Júlio Campos – a via central da cidade de Sinop batizada com o nome do governador que vem de uma das famílias mais influentes da política de Mato Grosso. Esse Júlio Campos, que boa parte de Sinop sequer conhece, ainda respira e tem uma avenida para chamar de sua. Aliás, ele chegou a ter uma cidade inteira com o seu nome – mas esse não é o assunto do dia.

A segunda exceção a regra em Sinop era a Praça Plínio Callegaro. Localizada no centro da cidade, no cruzamento da avenida do vivo homenageado com a Avenida das Acácias, a praça recebeu esse nome quando Plínio ainda estava vivo, lá no começo da década de 90. Apesar de infringir a lei, essa era uma homenagem que incomodava menos.

Plínio foi pioneiro, um dos primeiros e chegar e montar uma churrascaria. Quando Sinop sequer pensava em ser uma cidade, Plínio foi vereador, representando o punhado de gente que vivia no então distrito de Chapada dos Guimarães. Ele andava mais de 500 km por um trilho de paca chamado rodovia BR-163 para representar aquela vila que sonhava em ser cidade. Ninguém contesta a participação histórica de Plínio.

Tampouco seu carisma. Nas mais distintas rodas políticas que já conversei nesses meus 16 anos de Sinop – e o velho Plínio gostava do negócio – nunca ouvi um desaforo direcionado ao primeiro vereador. Ele tinha um lado, e até militava. No entanto, até seus adversários lhe conferiam respeito.

Um elemento que tornava esse batizado interessante é que, bem em frente à praça, Plínio abriu sua padaria. Todas as manhãs, quando ele levantava a cortina de ferro do seu estabelecimento, ele via a praça com o seu nome. Ele nunca escondeu que sentia orgulho disso. Depois que as portas da Roma se abriam, aquele balcão da padaria se transformava em um plenário paralelo. Muito da política de Sinop aconteceu acompanhada de um pão na chapa e um pingado.

Em setembro de 2009, o Ministério Público começou a questionar essas duas exceções a regra. A ordem foi para prefeitura rebatizar os dois logradouros – o que nunca ocorreu. Quatro meses depois, Plínio enfim cumpriu o único requisito que faltava para receber tal homenagem: morreu.

Conheço muitas pessoas que vivem em Sinop e que não fazem a mínima ideia de quem foi Plínio Callegaro. Mas não conheço nenhuma que acha que a praça não deveria ter esse nome. Plínio foi uma das figuras centrais da história de Sinop e faz sentido que sua homenagem também esteja no centro.

Fora do centro, está o exagero. O filho de Plínio Callegaro se tornou vereador em 2016. Dilmair Callegaro foi o mais votado da última eleição, com 1826 votos. Embora Plínio seja considerado o primeiro vereador de Sinop, Dilmair é o primeiro Callegaro a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal. No geral, faz bem o ofício. Mas sempre tem uma exceção.

Dilmair foi além do que precisava quando apresentou o projeto de lei 079/2019. Quis o destino que tal matéria fosse para pauta de votação no dia seguinte ao Dia dos Pais. O projeto de lei que Dilmair fez foi para dar o nome de seu pai à uma avenida da cidade. A via em questão é a “Avenida A” do Residencial Riviera Suíça – loteamento novo, no eixo da Avenida Bruno Martini. Na regra, Dilmair não violou nenhuma lei: Plínio está morto e um vereador pode batizar logradouros públicos. Mas no estilo...

Primeiro que Plínio não precisava de mais uma homenagem para preservar sua memória. Segundo, que a homenagem que Sinop já havia lhe concedido foi infinitamente maior: em vida, no centro da cidade, uma praça, na frente do seu negócio. Terceiro, ficou parecendo presente do dia dos pais.

O pior, no entanto, é o maldito fator de que homenagem à gente morta só serve para enaltecer os vivo. E nesse caso, o projeto de lei vira uma autofelação, com o vereador autor afagando a si mesmo.

Como já disse, Plínio é quase uma unanimidade. Dilmair ainda precisa amassar muito pão.

Jamerson Miléski

O Observador