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Artigo

Sobrou filantropia?

27 de Novembro de 2017 as 12h 23min
Fonte: Jamerson Miléski

Dentro de 6 dias o Hospital Santo Antônio, de Sinop, deixará de fazer partos através do SUS (Sistema Único de Saúde). Nesta mesma data, paralisam-se também os atendimentos de nefrologia, deixando todos os pacientes do município que precisam de hemodiálise a mercê da sorte ou das ações judiciais. Dia 1º de dezembro também marca o final das operações da Fundação Santo Antônio na gestão do Hospital Regional de Sinop.

Essa entidade, que até semana passada era a mais importante operadora da saúde pública de Sinop, em poucos dias será uma corriqueira colaboradora do SUS. Ainda restarão, pelo menos por enquanto, as UTI’s (Unidades de Terapia Intensiva) e a ala de oncologia, operando dentro da gratuidade da saúde pública. “Por enquanto” porque a própria entidade já cogitou a paralisação, também, desses serviços.

A Fundação já esclareceu suas razões para a suspensão desses atendimentos, sustentando ter perecido financeiramente frente aos constantes atrasos nos repasses financeiros. A postura, no entanto, tem levado muitas pessoas a questionarem como ficará a filantropia do Santo Antônio.

Para quem chegou ontem em Sinop, vale um flashback. Em 1988, o finado bispo Dom Henrique Fröhlich e o vigário da igreja católica Karl Manfred, imaginaram um hospital filantrópico para suprir as demandas de saúde da população mais carente. Cheios de boa vontade, encontraram um médico alemão entusiasta. Dr. Josef H. Wennemann trabalhou como médico até 1991 e grande parte das suas economias e influência foram dedicadas à ações de filantropia em países subdesenvolvidos. Wennemann foi um entusiasta, bem feitor e arrecadador de recursos que viabilizaram várias ações de saúde bem longe da sua terra natal. Entre elas o Hospital Santo Antônio.

A ideia do Bispo era genuinamente filantrópica. Tanto que recebeu apoio das lideranças locais, que se doaram para formar a Fundação que viabilizaria a implantação. Ganharam também o terreno e, com o dinheiro que veio da Alemanha, em fevereiro de 1991 o Hospital abriu suas portas.

Sinop precisava muito desse hospital. O SUS, que só apareceu na Constituição de 1988, sendo regulamentado em 1990, ainda engatinhava. A cidade, distante dos grandes centros, tinha uma estrutura de saúde limitada e quase que exclusivamente paga. O povo pobre de madeireira falia toda vez que ficava doente. O Hospital Santo Antônio foi o alívio para essa gente por muitos anos.

Até que a filantropia matou o santo. Em 2004, a fundação se encontrava em um colapso financeiro. Com problemas de estrutura, mas principalmente de impostos pendentes e dívidas trabalhistas, a Fundação anunciava o fechamento eminente do Hospital Santo Antônio. Sinop já tinha o P.A (Pronto Atendimento), mas era só. Nada de UPA ou Hospital Público. Em uma manobra para salvar o santo, parte dos médicos fizeram um acordo trabalhista, abriram mão de uma porção dos seus encargos e ingressaram nessa sociedade. A entidade encontrou um administrador que começou a dar uma identidade empresarial para a gestão (que por sinal está até hoje). A ideia era fazer uma filantropia financeiramente viável.

O argumento era lógico: não é possível ajudar os carentes se o Hospital estiver fechado. Essa nova gestão buscou um modelo misto, ensaiando um plano de saúde próprio, oferecendo serviços privados mas ainda mantendo uma cota de atendimento SUS. Funcionou. O hospital voltou a crescer, se aprimorar tecnologicamente, contando com uma estrutura melhor para atender a todos sem quebrar. O resto é história recente.

Em 13 anos o Hospital Santo Antônio saiu de falido para uma estrutura de ponta. Em seu complexo opera um moderno centro de imagens, que conta com o melhor tomógrafo do Estado. Nessa estrutura também funciona uma ala de hemodinâmica de primeiro mundo, com condições de fazer cateterismo e outros atendimentos emergenciais capazes de salvar a vida de um infartado. Tudo isso funcionando ao lado daquela pequena portinha que continua atendendo SUS.

Ou melhor, continuava. Com a decisão de suspender os atendimentos de obstetrícia e nefrologia, a parte “privada” do Santo Antônio salta aos olhos. O Hospital criado pelo bispo e pelo padre para dar saúde sem quebrar os pobres já tem uma outra clientela. Isso tem feito algumas pessoas se questionarem: e como fica a filantropia?

O Hospital Santo Antônio é reconhecido como uma entidade filantrópica. Graças a isso, possui imunidade tributária. Isso significa que não arrecada impostos como o Hospital Dois Pinheiros, a Sinop Clínica ou o Laboratório São Camilo, mesmo comercializando o mesmo tipo de serviços que eles. Essa situação só era justificada porque o Santo Antônio atendia pelo SUS. Mas e agora?

Ter metade dos leitos de UTI regulados pelo SUS e a ala de oncologia (dois tipos de serviços que são relativamente bem pagos pela tabela SUS), é o suficiente para que essa unidade hospitalar tenha isenção de impostos? Lá atrás, em 2012, o então vereador Mauro Garcia começou a questionar o título de entidade filantrópica do Santo Antônio. Imagina agora.

A questão dos impostos é importante, por uma questão de justiça e equilíbrio entre as empresas que operam a saúde. Mas o debate sobre a filantropia vai além disso. Dom Henrique e o padre Karl já se foram. Josef Wennemann está com 91 anos de idade, do outro lado do Oceano Atlântico desfrutando de um sossego merecido a uma pessoa que tanto ajudou. Mas, e se pudéssemos ouvi-los nesse momento sobre o Hospital Santo Antônio. Eles diriam que sobrou filantropia? 

Jamerson Miléski

O Observador