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Artigo

Urubu de Cesta Básica

26 de Maio de 2020 as 18h 13min

Um bando de vereadores entrou de surpresa na Secretaria de Assistência Social de Sinop na última quinta-feira (21). Os 6 membros do legislativos foram atraídos por 15 mil cestas básicas, que teriam sido recebidas pela prefeitura. É comida suficiente para alimentar uns 30 mil títulos de eleitor, então, os representantes do povo trataram de averiguar.

Questionei 2 dos 6 vereadores que estavam na incursão a secretaria. Eles disseram que a visita sem agenda foi para ver se era verdade que a prefeitura estava com um estoque de cestas básicas em plena pandemia. E pasmem! Era verdade.

A “isca” que fisgou os vereadores foi a notícia de que a Usina Hidrelétrica de Sinop começaria, essa semana, a distribuir 15 mil cestas básicas. Para fazer a comida chegar até quem precisa, a empresa solidária recorreria ao sistema de assistência social de cada município. Sinop recebeu 2,5 mil cestas básicas na terça-feira. Como na quinta-feira o alimento não perecível já estava sob ameaça de pragas, a secretaria começou a organizar a distribuição ainda na sexta-feira.

Para mim, foi difícil entender a pronta resposta dos vereadores nesse caso. Tantos problemas do município só acabam sendo detectados meses (ou anos) depois. Alguns só após a imprensa denunciar. Há ainda outros casos que ficam órfão de fiscalização do legislativo para sempre. Porquê as cestas básicas, que foram compradas pela Usina (dinheiro privado), que chegaram na terça-feira, na quinta-feira já preocupavam tanto os vereadores?

Lindomar Guida (PRB), me ajudou a entender a questão. Ele me disse: “como vereador mais distante do centro, a gente recebe muitas pessoas falando referente a cesta básica e a gente sempre encaminha para os CRAS né. E as pessoas nos retorna falando que não são atendidos pois não tá tendo cesta básica”.

Toda aquela pressa foi porque havia uma crise... uma crise de abstinência.

A cesta básica é um símbolo da relação político-eleitor no Brasil. Embora desde 2006 seja proibido ao candidato dar uma bala sequer ao seu fiel eleitor, os dois lados dessa relação não souberam lidar com esse boicote alimentar. Em ano eleitoral, mais comum do que ver candidato doando cesta básica é ver eleitor pedindo uma “malmitinha”.

Agora imagine se fosse possível saciar essa sede sem envolver dinheiro público, “agradar o povo”, ajudar os necessitados e ainda colher os louros políticos sem correr o risco de se complicar com a justiça eleitoral? Um monte grande e gordo de cestas básicas, doadas por alguém que não tem pretensão eleitoral nenhuma. É de se atracar como urubu na carniça.

Se eu fosse vereador, e quisesse tirar proveito dessa situação, faria o seguinte: iria até a secretaria de Assistência Social, faria um vídeo na frente daquele monte de cestas básicas e postaria nas minhas redes sociais. Então, solicitaria da prefeitura o cronograma de distribuição dessas cestas básicas nos CRAS (Centros de Referência da Assistência Social). Então, com a tabela em mãos, mandaria aquele “Zap-zap” maroto para os eleitores mais chupins da minha lista (que provavelmente também seriam os mais necessitados). Eu diria mais ou menos: “consegui uma Cesta Básica, uma “malmita” pra você; passa no CRAS do seu bairro na terça-feira e pega”.

Pronto! Não teria feito sacrifício nenhum, não gastaria o meu dinheiro e de quebra ganharia a simpatia de um eleitor. Ainda poderia ficar com a consciência tranquila, dizendo que ajudei que precisava, dando-lhe uma informação.

Agora, se eu de fato quisesse fazer algo para ajudar as pessoas necessitadas nesse momento, seria preciso um sacrifício pessoal. Tipo pegar os R$ 7,3 mil por mês que cada vereador recebe a título de “verba indenizatória” e transformar esse recurso, até o final do ano em... cestas básicas. Esse dinheiro cai na conta de cada vereador, todos os meses, sem precisar justificar gastos, para custear a “atividade” de cada vereador. Já que estamos em uma pandemia, porque não devolver esse dinheiro para o Executivo municipal comprar comida para quem não consegue mais se sustentar?

Vamos fazer a conta: 15 vereadores, R$ 7,3 mil por mês, daqui até dezembro são mais 7 meses. Daria, no grosso, R$ 766 mil. Dava pra comprar “folgado” 10 mil cestas básicas iguais essas que a Usina doou. Sim, só com a verba dos vereadores dá para comprar 4 vezes mais comida do que a gigante UHE Sinop repassou para a prefeitura.

Mas isso não se cogita. Afinal, praga de urubu magro não pega cavalo gordo.

Jamerson Miléski

O Observador