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Caso de polícia

Assentados acusam prefeito de roubo de madeira, extração ilegal e coação

Denúncias relatam truculência e intimidação dos assentados com ajuda das forças policiais

Geral | 28 de Outubro de 2016 as 17h 58min
Fonte: Jamerson Miléski

O que deveria ser um projeto de exploração florestal modelo para áreas de assentamento da reforma agrária, se tornou um verdadeiro caso de polícia. A riqueza da floresta existente na área destinada aos assentados, que poderia melhorar a vida de 241 famílias, acabou sendo tomada pela iniciativa privada, com a força do poder político e da polícia.

É o que denunciam pelo menos 70 moradores do assentamento ENA, localizado na cidade de Feliz Natal, norte de Mato Grosso. Fundado a 16 anos, o assentamento composto por 338 lotes começou a ser regularizado no ano de 2013. Atualmente 241 famílias ocupam, de forma legal, a área de terra com mais de 25 mil hectares. Parte dessa área, cerca de 16 mil hectares, é reserva florestal legal e, portanto, não pode ser utilizada para agricultura ou pecuária. A reserva é abundante em árvores com aproveitamento comercial.

Em 2014 os assentados encontraram uma forma de explorar essa riqueza. Foi organizada uma cooperativa de assentados que faria a gestão de um projeto de manejo florestal em parte da reserva legal. Foram reunidos 119 assentados, cada um “dono” de uma fração de 38 hectares de florestal, totalizando uma área de 4,5 mil hectares. O plano era fazer uma parceria com a iniciativa privada, que viabilizaria o projeto e a extração das árvores, dividindo os resultados com a cooperativa.

O contrato foi firmado com a DB Madeiras, uma empresa de Feliz Natal de propriedade de Nilton Dubiella, pai do atual prefeito do município, Toni Dubiella. Caberia a madeireira viabilizar o projeto de manejo, fazer a extração das madeiras e dividir 50% de tudo que fosse retirado da reserva. O acordo era para entregar a parte dos assentados em “madeira explanada” (em toras, fora do mato).

A extração começou em 2015 e até agora a cooperativa não recebeu nenhum centímetro cúbico de madeira. Moradores do assentamento dizem a empresa tem retirado entre 15 a 20 caminhões carregados de toras por dia. “Eles estão vendendo a madeira e não estão apresentando nota. Estão tirando 10 a 12 cargas durante o dia e 5 ou 6 cargas de noite. Eu vi isso”, declarou Horácio Vieira, morador do assentamento. “Aqui ficou certo que a madeira seria explanada no assentamento e que os assentados iriam montar uma serraria. Quem quisesse serrar venderia a madeira beneficiada, quem não quisesse, venderia em tora. Isso não está acontecendo. Nossa madeira está sendo evacuada dia a dia”, alega dona Maria, assentada do ENA.

Vídeos feitos pelos assentados mostram uma grande quantidade de madeira na área, já extraída e pronta para ser transportada. Os assentados acreditam que, dos 46 mil metros cúbicos de madeira previsto no projeto de manejo, cerca de 30 mil metros cúbicos já tenham sido extraídos. Em um laudo, assinado pelo engenheiro florestal Cléber Faria (contratado pelos assentados), o especialista afirma que 67% do projeto de manejo, referente a primeira etapa de 1,4 mil hectares, já foi explorado. Até agora, os moradores do assentamento receberam um único pagamento, de R$ 1 mil por família e nenhuma madeira.

Quem conduz a extração de madeira no projeto de manejo é o próprio prefeito de Feliz Natal, Toni Dubiella. Ele tem uma procuração da empresa do pai em seu nome para fazer a contratação pessoal, gerenciar a extração e a comercialização da madeira. Os assentados afirmam que o prefeito não presta contas da madeira que foi retirada e que reprime quem o contesta com ameaças e amparo policial. Um dos moradores disse para a reportagem que o prefeito levou para uma das reuniões dos assentados 8 policiais civis, que reprimiam qualquer um que fizesse uma colocação que desagradasse o gestor. “Nós vivemos aqui abaixo de pressão de autoridade policial. Me prenderam por três vezes, a segunda na minha casa, sem autorização judicial”, declarou David Barbosa, assentado do ENA.

A perseguição do prefeito com mão de ferro também foi denunciada por Gelson Fistarol, ex-presidente da cooperativa de assentados e um dos moradores que discorda da forma como está sendo feito a extração de madeira da reserva. Gelson foi agredido, dentro de um restaurante, com socos e coronhadas, por um policial civil que segundo ele estava a mando do prefeito. “Ele chegou dando coronhada, cuspindo, dizendo que ele ia perder o emprego mas ia me matar. Eu não sei porque, deve ser a mando de alguém. A reserva lá é muito valiosa, as únicas pessoas que não tem direito é nos assentados. Os políticos e o setor madeireiro podem fazer tudo... O prefeito anda ameaçando a população junto com os policiais e o motivo chama-se dinheiro, extorsão. Nada no assentamento vai pra frente porque ele não deixa. Ele coage as pessoas, leva policial civil para intimidar”, denunciou Fistarol. O assentado formalizou uma denúncia contra o policial civil na delegacia de Sinop.

Gelson Fistarol, ex-presidente da cooperativa, autor da denúncia


Com pressão econômica, política e força policial, os assentados alegam que a extração das árvores nas reservas do ENA é feita de acordo com a vontade do prefeito, que paga quanto que e como quer. Os assentados citam, por exemplo, o fato do prefeito cobrar R$ 40,00 a R$ 45,00 por cada metro cúbico de madeira que é vendido pela madeireira, a título de “taxa de administração”. Ou seja, ao invés de entregar 50% da madeira, como era previsto no contrato, o prefeito fica com essa produção e extrai um valor de cada metro cúbico de tora de propriedade dos assentados.

Para tentar frear a exploração e a depreciação da reserva florestal do ENA, um grupo de assentados contratou uma assessoria jurídica para mover uma ação. Os assentados conseguiram, através de uma decisão liminar expedida pelo Tribunal de Justiça, suspender a retirada das toras e a exploração até que um levantamento seja realizado no local.

Em meio essa situação, a comunidade elege nesse sábado (29), o seu novo presidente e o conselho fiscal. A eleição acontecerá durante uma assembleia geral, no assentamento. Parte dos assentados teme que o prefeito utilize de pressão e coação para interferir na escolha do novo presidente da cooperativa.

O valor da madeira presente na área está estimada em R$ 20 milhões.

 

O que diz o prefeito?

Toni Dubiella, prefeito de Feliz Natal


O GC Notícias entrevistou Toni Dubiella na manhã desta sexta-feira (28). O prefeito afirma que a manifestação relatada pelos assentados não é legítima e as denúncias feitas não condizem com a realidade.

Segundo Dubiella, são cerca de 50 pessoas que integram a ação movida na justiça que paralisou a extração. Destas, afirma ele, 36 não são assentados legítimos do ENA, uma vez que não possuem o CCU (Contratos de Concessão de Uso – documento emitido pelo Incra que legitima a posse sobre o imóvel). “Estão dizendo que os assentados estão revoltados com a situação. Não é verdade. Para a maioria das famílias que estão lá, está tudo dentro do que foi combinado, o manejo está funcionando e elas estão recebendo suas partes”, declarou o prefeito.

Toni afirma que até o momento foram extraído 9 mil metros cúbicos de madeira, transportados e comercializados. Esse total rendeu cerca de R$ 1 milhão para a cooperativa. “O conselho fiscal da cooperativa viu a dificuldade que seria fazer a venda da madeira ou ratear isso com os assentados. Então formalizamos um acordo para que a DB Madeiras fizesse a compra, pelo preço médio do mercado regional, e repassasse o dinheiro para a cooperativa, que dividiria isso com os assentados. E foi assim que aconteceu”, explica Dubiella.

O “combinado” era repassar o valor para cooperativa em 4 parcelas, sendo a primeira no dia 16 de setembro e as demais no mesmo dia em outubro, novembro e dezembro. Dubiella afirma que passou o valor da primeira parcela para a cooperativa que decidiu dividir com as 241 famílias, ao invés das 119 que fazem parte da área manejada. Os R$ 1 mil recebido por cada família veio desse valor. A parcela de outubro, não foi paga. “Depois dessa intervenção judicial suspendemos o pagamento, para resolver a situação”, comentou.

Sobre a “taxa de administração”, que a DB Madeira cobra, Dubiella diz que faz parte dos custos que a empresa tem para comercializar a madeira dos assentados. “Se você for vender tora hoje, você vai fechar negócio com cheque para 6 meses, vai pegar carro na negociação e assim por diante. Ninguém paga a vista. Para a cooperativa dividir com os assentados, precisa ser dinheiro. A empresa assume esse compromisso, adianta o valor e por isso cobra essa taxa”, ressaltou.

Sobre a extração ilegal e o processo de exploração do manejo, Dubiella lembrou que não existe nenhuma notificação da SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente). “Pelo contrário, para a Sema o nosso manejo é modelo”, comentou. O prefeito disse que a taxa de exploração relatada pelo engenheiro deve-se ao fato que a maior parte da infraestrutura do projeto (vias de acesso e explanadas), já foi feita. “O que foi retirado do mato foram 11 mil metros cúbicos de madeira em tora até agora e existe cerca de 4,8 mil metros cúbicos no chão, para ser retirado”, afirma Dubiella.

O prefeito relata ainda que mais de 30 funcionários que trabalham na extração dentro do projeto de manejo são assentados do ENA, contratados pela madeireira. “A DB tem apenas um gerente geral, um operador de skid e um operador de pá carregadeira. O resto é tudo assentado. Como é que eu ia tirar madeira escondido? Teriam que envolver 30 pessoas nesse esquema?”, retrucou o prefeito.

Dubiella disse ainda que a extração ilegal de madeira está acontecendo no ENA, mas em outra área de reserva, fora do projeto de manejo. Ele acusa o ex-presidente da cooperativa, Gelson Fistarol, de ter coordenar uma equipe que rouba as toras da reserva. “Ele sim faz extração ilegal, irresponsável de forma criminosa. Ele rouba madeira e já foi preso por isso”, comenta Dubiella, citando a detenção de Gelson e seu irmão, em maio desse ano, flagrados dirigindo um caminhão com 20 metros cúbicos de madeira.

Sobre a agressão de Fistarol sofreu de um policial civil, Dubiella disse que não tem ligação. “O que dizem na cidade é que ele foi passar um trote por telefone para o policial, provocando e falando coisas da vida pessoal e o policial perdeu a paciência, foi no bar e tirou a limpo a história”, comentou o prefeito.

Dubiella diz que todas as ações da Polícia Civil no ENA foram autorizadas e programadas pela Delegacia Regional de Sinop, com a anuência dos delegados. Ele negou que utiliza investigadores como seus jagunços ou que tenta intimidar qualquer assentado. “Além de empresário de Feliz Natal eu sou prefeito e estava disputando a eleição. Que interesse eu teria de coagir alguém, ou ter inimizade com essas 241 famílias? Não faz sentido”, alega. “Nós trabalhamos tanto desde o início para viabilizar esse manejo. Agora que estamos colhendo os frutos não iriamos cometer qualquer ilegalidade. É o momento do resultado, tanto para nossa empresa como para os assentados”, justificou o prefeito.

Além dos 1,4 mil hectares em fase de exploração, a DB Madeiras tem a concessão para a exploração de 4,2 mil hectares da área de reserva. Segundo Dubiella, a área total manejável do ENA é de 10 mil hectares. “Nosso interesse é manter essa parceria funcionando para explorar toda essa área”, ressaltou.

A região é rica em madeiras de aproveitamento comercial, com várias essências, sendo a mais comum cedrinho, seguido de itaúba e cambará.