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“Ninguém gosta de delator, mas trata-se de um mal necessário”

Geral | 03 de Agosto de 2015 as 10h 23min
Fonte: Fonte: Midia News

Em 2012, o empresário Gércio Marcelino Mendonça Júnior (conhecido como Júnior Mendonça) firmou um acordo com o Ministério Público Federal (MPF), em que deu detalhes sobre o esquema de lavagem de dinheiro, corrupção e crimes contra o sistema financeiro que operava em Mato Grosso e do qual era um dos principais articuladores.

O acordo, chamado de “delação premiada”, na Operação Ararath, resultou em mandados de busca e apreensão, prisões e investigações contra  dezenas de políticos, servidores e empresários envolvidos.

Sem essa delação, segundo o promotor de Justiça Roberto Aparecido Turim, do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa de Cuiabá, dificilmente as investigações chegariam a um estágio tão “profundo e minucioso” do esquema - que pode ter desviado mais de R$ 500 milhões dos cofres do Estado, segundo a Polícia Federal.

“Seria quase impossível em algumas situações. Poderia até descobrir o esquema. Mas chegar a uma conclusão tão aprofundada, e um relato tão pormenorizado de como acontecia os atos de A, B, C e D, sem a delação, a investigação não chegaria”, disse ele, que atua no Ministério Público Estadual (MPE) há mais de 20 anos.

Turim adiantou que, além das quatro ações de improbidade ajuizadas em dezembro de 2014, a Operação Ararath resultou na abertura de mais 30 inquéritos, em andamento, no núcleo. E que podem gerar – até o final do ano - diversas novas ações contra o grupo investigado.

“Via de regra, todos esses inquéritos envolvem quase sempre as mesmas pessoas. Eles acabam trazendo às vezes uma empresa nova. Mas, nos inquéritos você vai encontrar Eder Moraes, Silval Barbosa, o pessoal da administração do Governo anterior. Na Assembleia, vai ter José Riva, Humberto Bosaipo. Mas tem casos que envolvem outras empresas, juntamente com Eder e companhia Ltda. Gira em torno desse núcleo divulgado até agora, com poucas variações”, disse.

Em entrevista ao MidiaNews, o promotor de Justiça também falou sobre os polêmicos depoimentos do ex-secretário de Estado Eder Moraes, as dificuldades para dar andamento às investigações e sobre as brechas do Poder Público e do sistema processual que geram a sensação de impunidade na população.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – Em dezembro do ano passado, após o lançamento daquelas ações de improbidade relacionadas à Operação Ararath, o senhor afirmou que ainda haviam mais investigações em andamento. Em que pé estão essas investigações?

Roberto Turim – Depois daquilo, já houve outras ações de improbidade. Temos ainda vários inquéritos em andamento. Essas que estamos propondo agora com relação à estabilidade dos servidores da Assembleia, no fundo são provenientes da Ararath. Houve busca e apreensão lá, pegaram documentos e acabaram enviando cópias para nós. E também está resultando em investigação. Temos investigações não concluídas, que devem estar concluídas agora no mês de agosto, até setembro.

A gente dividiu essa questão aqui no Núcleo de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa, e todos os promotores têm inquéritos decorrentes de documentação vinda da Ararath. Tanto eu, quanto o Gilberto Gomes, Célio Furio, Clóvis de Almeida e o Wagner Fachone. Cada um está tocando a sua investigação. Vamos ver se até o final do ano conseguimos concluir o maior número possível de inquéritos. A demora se dá porque em todos eles se exige muita análise de documentos bancários. Aí você tem uma demora para conseguir esses documentos, especialmente os do BicBanco, que está em processo de liquidação. Aí você tem que requisitar ao Banco Central, depois fazer análise disso, é um trabalho demorado.

MidiaNews - Como funciona essa divisão de atribuições?

Roberto Turim – Funciona por distribuição. Se tiver 50 casos, chegam 10 para cada um, conforme a ordem de entrada.

MidiaNews - E os promotores compartilham informações quando são casos atrelados?

Roberto Turim – Sim, a gente faz uma reunião pelo menos duas vezes por mês para discutir os casos e dizer o que cada um está fazendo, o que um fez que pode colaborar com o outro, dividir as informações que cada um conseguiu.

MidiaNews – Há muitas operações do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) que acabam também gerando investigações no Núcleo de Probidade. Como é a logística desse trabalho?

Roberto Turim – Isso ganhou mais força este ano. Nós, aqui do Patrimônio, o Gaeco, e a promotora Ana Cristina Bardusco, da promotoria de Crimes Contra a Administração Pública, sempre procuramos fazer um trabalho conjunto. Às vezes a gente investiga algo aqui, que também configura crime. Se tiver indícios de que há formação de quadrilha, a gente manda para o Gaeco. Eles, a mesma coisa. Investigam o fato lá e, se configurar improbidade administrativa, danos ao erário, eles mandam para nós quando concluem o inquérito. E a mesma coisa a Dra Ana Cristina. Em alguns casos, a gente trabalha junto. Monta o inquérito, todos contribuem e propõem as ações ao mesmo tempo.

MidiaNews - Quantos servidores atuam no Núcleo para dar cabo a essas investigações?

Roberto Turim – Aqui no Núcleo, esse é um defeito, uma briga nossa. Nós não temos ainda um grupo de servidores que esteja apenas à nossa disposição. Nós temos o Centro de Apoio Operacional do Ministério Público (CAOP), que atende o Estado inteiro. Eles têm contadores, engenheiros e atendem todas as promotorias do Estado. Nós temos só servidores administrativos, para receber, dar baixa em processo, e os assessores jurídicos. Mas esse pessoal para perícia, para analise contábil, perícia de engenharia, não temos. Temos os que o Ministério Público disponibiliza para todo o Estado, mas exclusivamente nossos não.

MidiaNews - Isso acaba atrasando as investigações?

Roberto Turin – O ideal seria que a gente tivesse uma equipe no CAOP maior. Que pudesse atender mais rapidamente essas demandas. Mas aí tem questões orçamentárias, de concurso, não é uma coisa fácil de se resolver. O que a gente tem tentado é ampliar convênios, termos de parceria com a própria Controladoria Geral do Estado, Sefaz, com as universidades. Para esse pessoal colaborar com a gente. Quando a gente precisa de uma perícia que não vamos dar conta de fazer, a gente pede para a Controladoria Geral do Estado, algumas a gente pede para o próprio Tribunal de Contas, que tem um corpo técnico bom e a gente aproveita esse trabalho.

MidiaNews- Quantos inquéritos relacionados à Ararath o núcleo planeja concluir até o final do ano?

Roberto Turim – É difícil especificar, porque às vezes estamos com uma investigação bastante adiantada, mas depois ela trava. Fica difícil encontrar uma pessoa, um documento, ou uma perícia que atrasa. E uma outra que estava atrasada dá uma alavancada e você consegue concluir ela mais rápido do que aquela que você achava que iria terminar no outro mês. É difícil dar um prazo limite. O prazo que nós temos por lei é: abriu o inquérito, você tem um ano para terminar. Se não terminar, precisa prorrogar e a prorrogação precisa ser comunicada para a administração superior do Ministério Público. O prazo é até o final do ano. Agora, quantos serão concluídos até o final do ano eu não tenho como dizer agora.

MidiaNews - Mas quantos estão em andamento?

Roberto Turim – Eu acredito que deve ter mais de 30 inquéritos em andamento, só da Ararath.

MidiaNews - Desses inquéritos, há alguns que envolvem situações que ainda não foram expostas na mídia ou pessoas que não tiveram os nomes envolvidos?

Roberto Turim – Como é inquérito e ainda não terminou, a gente não fez essa divulgação de quem e o que está sendo investigado, até porque pode atrapalhar. Via de regra, todos esses inquéritos envolvem quase sempre as mesmas pessoas. Eles acabam trazendo às vezes uma empresa nova. Mas nos inquéritos você vai encontrar Eder Moraes, Silval Barbosa, pessoal da administração do governo anterior. Na Assembleia, vai ter José Riva, Humberto Bosaipo. Mas tem casos que envolvem outras empresas, juntamente com Eder e cia Ltda. Gira em torno desse núcleo divulgado até agora, com poucas variações.

MidiaNews – Esses inquéritos podem resultar em operações do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), novas prisões?

Roberto Turim – O desdobramento criminal desses inquéritos, em alguns casos vai estar a cargo do Ministério Público Federal. Porque sempre que envolver pessoas que tem foro privilegiado, vai para os tribunais superiores. A parte da ação penal que fica aqui para a gente no Estado, que seria objeto de investigação do Gaeco e da Dra Ana Bardusco, serão os casos que envolverem essas pessoas que não têm foro por prerrogativa de função ou que têm foro no Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Aí a gente pode atuar. Mas fora isso, as ações penais estão sendo movidas na Justiça Federal, contra Eder Moraes e cia. Porque há crimes de competência da Justiça Federal, como crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, que não são de atribuição estadual. Quem vai fazer a ação penal nesses casos é o Ministério Público Federal.

MidiaNews – Esses inquéritos envolvem desvio de dinheiro público? O senhor poderia adiantar quanto pode ter sido desviado além do que já foi divulgado na mídia?

Roberto Turim – É complicado dar um valor fixo para isso. Porque você tem situações em que, por exemplo, o caso da Encomind. O Estado pagou R$ 82 milhões. Eu não sei quanto ela realmente tinha para receber, quanto foi pago a maior. Tem que analisar caso por caso. No caso da Encomind, nós concluímos que ela tinha R$ 20 milhões para receber e que R$ 60 milhões foram pagos a mais. Isso já virou um processo. Aí você pega uma outra construtora, a Todeschini, por exemplo. A Saboia recebeu R$ 19 milhões. Eu não posso dizer que esses R$ 19 milhões estão irregulares. A gente tem que levantar o contrato, que às vezes é lá de 1997, 2000, fazer uma atualização. Exige uma perícia contábil para você ter uma ideia do montante. Mas o volume é grande, tanto de processo quanto de dinheiro.

MidiaNews – As investigações da Ararath são as maiores demandas do Núcleo?

Roberto Turim – Não. Esses casos tiveram uma repercussão em virtude justamente da operação, que teve gente presa. Então você dá uma prioridade, mas não são os únicos. Temos uma centena de inquéritos aí, relacionados a obras da Copa, desvios de dinheiro, contratações irregulares de funcionários. Infelizmente, não falta matéria prima.

MidiaNews –Há necessidade de mais promotores no Núcleo para acelerar esse trabalho?

Roberto Turim – Temos cinco promotores, mais dois que estão afastados: o Mauro Zaque e o Gustavo, da Corregedoria. Desse concurso do Ministério Público, devem vir dois substitutos. O número de promotores é bom. O que falta é aquela estrutura de pessoal. Se eu quero fazer uma perícia contábil, tenho que esperar meses, anos, para ela se realizar. O que está em falta é pessoal técnico, um quadro técnico maior de apoio a estas promotorias. Cada promotor deve ter 300, 400 inquéritos cada um. Não vamos requisitar novos promotores, os promotores novos vão todos para o interior, lá onde Judas perdeu as botas (risos).

MidiaNews – Nesse panorama, quando o senhor acredita que essas centenas de milhões que teriam sido desviados e que são objeto de investigação da Ararath, Imperador, Ventriloquo e demais operações poderão retornar aos cofres públicos?

Roberto Turim – Essa é outra grande dificuldade. Geralmente esse retorno efetivo só se dá com o trânsito em julgado da condenação. E a condenação demora anos para acontecer. E depois anos para julgar os recursos nos tribunais. É um tempo muito longo. Uma coisa que a legislação poderia ser alterada para evitar isso seria a execução provisória desses julgados. Se teve a sentença do juiz e ela foi confirmada pelo tribunal, independente de ela passar pelo STJ ou STF, a sentença já poderia ser executada. O dinheiro poderia ser devolvido e colocado em uma conta específica. Caso o réu consiga reverter a sentença nos tribunais superiores, o dinheiro é devolvido a ele. Mas, enquanto isso, ele não pode ficar usufruindo daqueles bens que, em tese, foram obtidos ilicitamente.

MidiaNews – Há muitas críticas à questão da delação premiada, em que os delatores são acusados de escolher o que falar, quem denunciar, o que acabaria direcionando as investigações. Como o senhor analisa isso?

Roberto Turim – A delação premiada é um meio de investigação. A meu ver, é um mal necessário. Ninguém gosta de delator. Mas para você entender como se sente um gambá, você tem que conversar com um gambá. Para você entender como um administrador corrupto desvia dinheiro, você precisa falar com alguém que esteja dentro do esquema e que venha te informar sobre isso. O delator é tão corrupto e tão desonesto quanto, ele não denuncia porque ele se arrependeu, resolveu mudar de vida. Ele procura para tentar salvaguardar alguns bens e tentar salvaguardar a própria liberdade. E para isso ele negocia. Mas a lei tem vários requisitos para aceitar essa delação. A delação tem que ser dentro de uma investigação com objeto definido, o que ele delata tem que ser imprescindível, fundamental para a conclusão daquela investigação, e na maioria das vezes o delator também sofre punição. Ele vai ter parte dos bens bloqueados, vai ressarcir o erário, cumprir uma pena...

Essas críticas existem porque é um instrumento ainda novo no Brasil. A legislação é recente e era pouco utilizada. Agora passou a se ter uma utilização mais frequente. E, claro, envolvendo autoridades de grande porte, investigações envolvendo administração pública, empreiteiras. É um sinal positivo de mudança. Daqui para frente, a delação premiada vai passar a ser uma regra. E o Ministério Público e a Polícia precisam se aprofundar na delação pra usar esse instituto sempre que possível da melhor maneira.

MidiaNews – Sem a delação do empresário Júnior Mendonça, seria mais difícil desbaratar o esquema da Ararath?

Roberto Turim – Seria quase impossível em algumas situações. Poderia até descobrir. Mas chegar a uma conclusão tão aprofundada e um relato tão pormenorizado de como acontecia os atos de A, B, C e D sem a delação, a investigação não chegaria. Hoje nós temos grandes dificuldades em rastrear esquemas complexos, intrincados, de desvio de dinheiro público.

O administrador que resolve desviar, não pega o dinheiro e põe na conta dele ou enfia no bolso. Hoje você tem esquemas complicadíssimos, que envolvem um contrato com uma empresa, que prestou serviços não entregues, ou uma obra superfaturada, mas o pagamento é feita para a empresa, que repassa a um terceiro, que passa para outro e compra o bem de um quinto e só depois o dinheiro chega a uma empresa que é ligada ao administrador. Como é que você vai fazer todo esse caminho se você não tiver alguém que te indique? Para isso, tem que ter alguém de dentro do esquema. E cabe ao Ministério Público, à Polícia pegar alguém do esquema e coloca-lo contra a parede de tal maneira que a única alternativa que ele tenha é a delação. Que ele fique encurralado e resolva colaborar. Em outras vezes, o colaborador vem espontaneamente. A mulher traída faz isso, casos de separação, o sócio que foi passado para trás, isso também acontece. Fora dessas situações, você tem que investigar, descobrir a pessoa em xeque e, aí sim, conseguir extrair dele uma delação.

MidiaNews– Se o Ministério Público identificar que o delator mentiu ou tentou manipular as investigações, o que acontece?

Roberto Turim – A lei tem todos os requisitos para isso. Quando ele é declarado colaborador, ele se compromete a confirmar tudo o que disse quando for chamado em juízo. Também fica declarado que se descobrir que ele mentiu ou omitiu, a delação dele cai por terra, fica rescindida e ele passa a responder como qualquer outro réu.

MidiaNews – No caso do ex-secretário Eder Moraes, que prestou depoimentos e depois desmentiu tudo: como fica a situação dele e a validade das provas que o Ministério Público obteve com base nas declarações?

Roberto Turim – Esse caso é um exemplo típico do cidadão que vem e diz que vai delatar. Quando ele começa a falar, você percebe que ele não está falando um terço daquilo que ele sabe. E que tudo o que ele está falando é direcionado a atingir A, B, C e proteger D e E, e livrar a própria cara. Aí não dá, ou fala tudo ou não fala nada. Aí diz que vai falar tudo, e começa a falar uma coisa, fala outra. Durante a investigação, fomos levantando os fatos e tentando saber até que ponto ele está colaborando. Ele procurou o Ministério Público, fez várias declarações. Ele ainda não era colaborador. Ainda estava naquele processo inicial de ouvir tudo, depois checar as informações para ver se o que ele disse tem fundamento e depois, se for verdade, se tinha dito tudo o que sabia. Depois disso tudo é que seria assinado um termo de colaboração. Nesse meio de tempo, o cidadão mudou de ideia. Resolveu dizer que nada daquilo era verdade e desautorizou o uso daquela documentação.

A pergunta é: o que ele falou deixa de ter validade porque ele se retratou? Ora, em Direito, tanto a confissão quanto a retratação elas têm valor relativo. Depende do conjunto de provas. Às vezes a pessoa confessa o crime, mas tudo o que está no processo mostra que ele não é o autor daquele crime. Ele está confessando para proteger alguém. Só porque ele confessou vai ser condenado? Não. A mesma coisa é a retratação. O cara vem e diz que desviou tantos mil de tal lugar de tal contrato. Aí a gente busca o contrato, levanta a conta, dados bancários, investiga tudo e comprova que tudo aquilo que a pessoa falou bateu, é verdade. Aí o cara se retrata e diz que não era nada daquilo. A retratação vai ter valor? Não. Porque ela está sendo desmentida pelo conjunto probatório. É assim que está sendo feito no caso do Éder. Todas as declarações dele estão sendo investigadas, e aquelas que se concluir que são verdadeiras, independente de ele ter se retratado ou não, ele vai responder ao processo. E agora ele responde na condição de réu comum, porque ele não chegou a ser considerado colaborador, porque no meio do caminho ele desistiu.

MidiaNews – De tudo o que o Eder Moraes afirmou, muita coisa foi confirmada?

Roberto Turim – Sim. Está para sair sentença da Justiça Federal no caso dos precatórios da Hidrapar, que também gerou uma ação na Justiça Estadual. Ele responde a ação também pelo caso das cartas de crédito, há mais umas quatro ações em que ele é réu.

MidiaNews - De modo geral, as investigações do núcleo surgem de que maneira? São denúncias, o senhor tem uma rotina de fiscalizar determinadas situações?

Roberto Turim – Recebemos muitas denúncias pelo Disque Denúncia, acompanhamos as publicações da imprensa, as publicações de Diário Oficial, por conta própria identificamos uma possível irregularidade e já corremos atrás. Também recebemos documentação do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, dos juízes. Também atendemos as pessoas que vem aqui fazer denúncias, recebemos denúncias pela Ouvidoria...

MidiaNews- O fato de investigar pessoas poderosas, políticos, empresários, isso obriga os promotores do Núcleo a ter um cuidado especial com a segurança?

Roberto Turim – Tem colegas que usam segurança. Em poucas vezes nos meus vinte e tantos anos de MP eu usei, só em ocasiões onde houve ameaças, gente ligando, etc. Fora isso, eu ando normal,  tranquilo. Eu não tenho carro blindado, mas há colegas que têm, usam arma, fazem curso de tiro. A profissão incomoda muita gente. No nosso caso a gente não incomoda o Zezinho da esquina, mas pessoas de poder aquisitivo e de poder político grande. Quando acontecem ameaças, temos um Gabinete de Segurança Institucional, pessoas que dão um suporte, acompanhamento. Mas, fora isso, tem que confiar em Deus. Porque ninguém tem segurança 24 horas por dia, e não existe segurança 100%. Se a pessoa quer te matar, dá um jeito. A profissão tem, naturalmente, um risco. E quando assumimos o cargo, sabemos disso. Não dá para ser bombeiro com medo de fogo, médico com medo de sangue.

 

Críticas ao sistema

MidiaNews – O que o senhor acredita que leva os poderes públicos a deixarem acontecer esses desvios milionários?

Roberto Turim – O que nós temos hoje no Brasil é um sistema de controle de administração pública fraco. Um dos motivos pelos quais ele é fraco é justamente esse: a nossa sociedade, de maneira geral, não fiscaliza o Poder Público. O cidadão acha que não é da conta dele ele ir lá saber o que o prefeito está gastando, se aquela obra está custando mais do que devia, se a qualidade do asfalto é boa ou é ruim... O brasileiro não tem essa cultura. E acaba que, mesmo as organizações civis, ONGs, também não tem muito esse costume da fiscalização. Às vezes a gente vê um denuncismo muito grande. O cara atira para todo lado denúncias vazias, pode até ter fundamento, mas não investigou, não checou, não apurou.

O outro defeito, e nós estamos exigindo isso e sendo ajudados pela Lei da Transparência, é que o administrador público também não tinha o costume de dar publicidade aos gastos dele, aos atos administrativos, etc. Você entrava no site de qualquer órgão público e não conseguia saber quanto ele pagava com funcionário, os contratos com andamento e as informações não eram acessíveis. Hoje já temos uma lei que exige isso. E o Ministério Público está brigando com todos os órgãos da administração para que essa lei seja cumprida. Temos processos sobre isso em relação a Câmara Municipal de Cuiabá, a Assembleia Legislativa, as secretarias do Estado, ao próprio Tribunal de Contas, visando buscar essa transparência. E dentro do Ministério Público também. O administrador tem que ter essa responsabilidade, tornar público o mais facilmente possível os gastos públicos. Temos uma população que não investiga de maneira geral, temos administração pública que também torna difícil o acesso à informação e aí a fiscalização acaba ficando centrada em alguns órgãos.

MidiaNews - Os próprios órgãos não deveriam ter mais fiscalização interna?

Roberto Turim - Um órgão que nunca exerce a fiscalização: que fiscalização de gasto público a Câmara Municipal faz com relação ao Poder Executivo? E é obrigação nº 1 dela. Um vereador tem um gabinete com 20, 30 servidores, e quantos auditores têm? Nenhum. Na Assembleia a mesma coisa. Cada deputado tem 20, 30 funcionários. Eles deviam fazer uma fiscalização eficiente, profunda dos gastos públicos, já que é função deles fazer isso. Acaba ficando centrado em Ministério Público e Tribunal de Contas esse controle externo de toda a Administração Pública. E é praticamente impossível para o Ministério Público controlar os gastos públicos de todos os órgãos públicos do Estado. Você capta um volume muito grande de processos que você não dá conta de mover com a rapidez necessária.

MidiaNews – A morosidade do Judiciário também contribui para isso?

Roberto Turim - O maior problema é em relação ao Judiciário. Todo o nosso sistema processual é montado para dificultar. Nós montamos ações civis públicas que demoram 10, 20 anos para chegarem até o final. Isso em primeiro grau. Aí depois que é julgado em primeiro grau, o cidadão ainda tem recurso para o Tribunal de Justiça, depois para o STJ, STF, mais 10 anos. Isso gera uma sensação generalizada de impunidade. Que você pode fazer o que quiser que não vai acontecer nada. E, se acontecer, o cidadão já está velho, já morreu, já usufruiu do dinheiro. O sistema processual colabora para que a impunidade seja regra e a punição seja difícil, demorada, enrolada, complicada. Essa é outra briga que a gente tem. Temos que trabalhar para agilizar o sistema, modificar as regras, as leis, facilitar andamentos de processos. Para conseguir o mais rápido possível o bloqueio de bens, afastamento de cargos, que são as punições que realmente funcionam. E ai, ao final, a perda de direitos políticos, porque o maior benefício que se tem não é só o ressarcimento do dinheiro roubado, mas impedir que haja novos saques. E uma forma de fazer isso é excluir da vida pública os que foram definitivamente condenados por improbidade, dano ao erário e ações dolosas contra o patrimônio público. E essa é outra dificuldade que a gente tem. Temos todo um sistema processual que não busca facilitar, busca complicar o procedimento.

MidiaNews – Nesse sentido, o que precisa ser aprimorado na legislação para melhorar esse panorama?

Roberto Turim – Em primeiro lugar, a gente tem que trabalhar mecanismos para fazer com que o processo judicial seja mais rápido. Hoje você tem um trabalho voltado ao volume. Há uma vara com 3000 processos e outra com 500. Quando você fala em ações civis públicas, em ações de improbidade, de ressarcimento de danos ao erário, 100 ações equivalem a 2000, 3000 ações de outro tipo. O interesse do João contra o Pedro na divisa da cerca é algo que precisa ser julgado. Mas, do outro lado, você tem uma ação em que o Ministério Público imputa um desvio de R$ 62 milhões, que envolve um parlamentar e vários servidores da administração. O impacto que um julgamento dessa ação na administração pública e de benefícios para a sociedade em geral é inúmeras vezes maior do que aquele do interesse individual. E, na maioria das vezes, o Judiciário trata as duas ações do mesmo jeito. As duas valem para o juiz uma sentença. Está errado isso. O Judiciário tem que se convencer que esse tipo de demanda tem que ter prioridade.

Tem que haver mais juízes para julgar esse tipo de demanda. Tem que colocar um número maior de funcionários que trabalham com esse tipo de demanda. Um juiz com 500 processos dessa complexidade faria com que demorasse 40 anos para esses processos sejam julgados, sendo que precisaria que fosse julgado em dois, três anos. O Judiciário precisa priorizar isso. Essa prioridade no interesse coletivo sobre o interesse individual ainda falta. Falta essa mentalidade. Você julgar uma ação dessas é muito mais relevante do que a ação individual, não que a outra não mereça rapidez. Não se pode dar o mesmo tratamento, essas ações merecem um tratamento diferenciado. E é papel tanto do Ministério Público, e isso é nossa falha também, temos que ter mais cobrança, e o Judiciário também dar essa prioridade.

MidiaNews – Essa é uma falha organizacional do Judiciário? As metas do CNJ, por exemplo, dão um foco muito grande aos números, a julgar mais do que se recebe...

Roberto Turim – Sim. E você tem que ter metas factíveis e que definam prioridades. O CNJ se preocupa muito com o número. Tem que ter 10 mil ações julgadas, aí o juiz se sente pressionado a julgar um número de ações para cumprir a meta de 10 mil ações. Se você tem que julgar 30 processos e tem 10 processos fáceis, do Pedro contra o Maneco, vou julgar aqueles que são mais rápidos. Porque o que tem 50 volumes o juiz vai demorar uma semana só para ler e entender, e um mês para julgar. Aí ele julgou uma sentença e não cumpriu a meta. Esse tipo de raciocínio acaba gerando essa distorção. O juiz vai se preocupar com o número, com a produtividade medida por número, não pela qualidade, pela complexidade daquilo que foi julgado. As metas precisam ver isso também.

MidiaNews – Trazendo isso para Cuiabá: precisariam de mais juízes na Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular?

Roberto Turim – Nossa primeira briga aqui, e nós tivemos a ajuda do Judiciário, foi a criação da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular. Tem pouco tempo, dois, três anos. Mas hoje, nesta vara especializada, você tem ações que são de Direito do Consumidor, da Cidadania e ações do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa. Nós entendemos que hoje deveriam ter dois juízes específicos para cada uma, e não dois juízes para tudo. Primeiro que são matérias distintas, que envolvem um conhecimento jurídico distinto, que tratam de realidades diferenciadas e tem complexidade. Se houvessem uma ou duas varas para a improbidade, uma ou duas para a saúde, uma ou duas para a Educação... Aí você teria um juiz mais qualificado, com uma especialidade maior, e isso também geraria uma celeridade maior no julgamento, que é justamente o que precisamos.

Precisamos demonstrar para a sociedade, para o servidor, para o agente público, que esses atos têm consequências. Para isso é necessário conseguir logo o afastamento deste servidor, um bloqueio de bens daquele que é processado, para que ele se sinta tolhido e isso seja divulgado. É um efeito educativo. Hoje ocorre o contrário. A sociedade vê um caso como o do Paulo Maluf, que é processado há 50 anos, pegou uma semana de cadeia e só. E continua sendo eleito e reeleito. Que cultura isso passa para o cidadão? Que o político pode fazer o que quiser. Tempos atrás, noticiaram que ele foi condenado porque há décadas deu um Fusca de presente para cada vereador em uma cidade. Nem o Fusca existe mais. Isso acaba sendo motivo de ridicularização. E, ao mesmo tempo, de descrédito do Judiciário, do Ministério Público, do sistema como um todo. Não se pode demorar tudo isso para ser julgado em definitivo. Senão você gera um sentimento de impunidade total mesmo. Aí quem entra para o Poder Público já entra com essa mentalidade de “eu tenho que me dar bem, já que não vai acontecer nada comigo mesmo”.

Agora, quando fulano é preso, tem os bens bloqueados, é impedido de ser candidato, se tornou inelegível, outro perdeu o cargo, quando isso acontece mostra que a lei é aplicada quando ocorre o dano, o ato de improbidade, a má-fé do administrador. Infelizmente, a visão que se tem em virtude desses casos é essa: de que todo mundo na administração pública é incompetente ou ladrão. E isso tem que ser trabalhado, até para preservar os bons servidores.

MidiaNews – O que mais especificamente precisaria ser mudado na legislação para evitar essa demora nos julgamentos?

Roberto Turim – A Lei de Improbidade é de 1992 e não sofreu alterações, e é uma lei muito complexa. Hoje, nós não temos definidas as penas. Temos um conjunto de penas, mas a lei não diz que pena deve ser aplicada em cada caso. Então fica muito na mão do juiz um critério aberto de proporcionalidade dessas penas. Na Lei de Ação Civil Pública e Improbidade, o réu é citado duas vezes. Primeiro o juiz cita ele para fazer a defesa preliminar. E se tem 5, 6 réus em uma ação, se leva dois, três anos. Aí o cara faz a defesa e o juiz recebe a ação. E aí cita o cara de novo. Ele vai apresentar a mesma defesa outra vez, mais dois, três anos. Aí que começa o processo a ser instruído, fazer audiências, ouvir testemunhas. Você faz duas vezes o mesmo serviço. Uma dessas fases é totalmente desnecessária para a garantia da defesa do réu. Isso foi colocado justamente para isso: atrasar o andamento do processo, para demorar mais, e funcionou. Demora anos para conseguir citar todos os réus em uma ação. Enquanto isso, a ação está lá parada.

Outra situação é que, ao receber a ação, o juiz deveria analisar também a possibilidade de aplicar medidas cautelares. O afastamento do cargo, a suspensão dos direitos políticos, o bloqueio de bens. Porque a pessoa que teve a ação recebida, já está sob suspeição e deve ser afastada. E esse afastamento facilita até o andamento do processo. Porque a pessoa afastada tem interesse no rápido andamento. Quando não está, quanto mais tempo demorar melhor. Não adianta processar alguém hoje para tentar alienar bens dele daqui a 10, 15 anos.

MidiaNews – A própria lei então dá vazão para o denunciado se livrar dos bens quando sentir que pode sofrer uma punição...

Roberto Turim – E se o bem não for bloqueado, e o processo demorar 20, 30 anos para julgar... Precisa haver o bloqueio para garantir que, se ele for condenado, o erário será ressarcido.