Alerta
Pombos são animais perigosos?
Na mitologia, os pombos são símbolo de riqueza e prosperidade, mas no cotidiano eles podem trazer transtornos aos homens e animais
Geral | 10 de Outubro de 2019 as 14h 23min
Fonte: Michel Lacombe - Assessoria UFMT
Logo após o dilúvio, ele foi o segundo animal que Noé soltou para saber se as águas já haviam baixado. No inconsciente coletivo – e no ditado popular –, um casal deles representa a paixão. Na música de Moraes Moreira, também é celebrado como o porta-voz de uma carta para o amor do eu-lírico. Já na vida real, os perigos causados pela sua proximidade com o homem lhe rendem apelidos pejorativos como ‘rato de asas’ e ‘praga’. Seja na expectativa ou na realidade, quando um pombo estiver perto de você, a mensagem é uma só: fique em alerta.
Mas por que as pombas são consideradas pragas? Segundo a professora Adriana Borsa, docente da Faculdade de Medicina Veterinária (Famev) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), esse é um nome genérico. “Atualmente, a gente denomina fauna sinantrópica urbana, que são animais que se aproximam do ser humano”, explica.
Pragas, também, porque podem indiretamente causar doenças. “O pombo se torna perigoso devido a questão das fezes que servem de cultura para determinados fungos. O principal é o cryptococcus, que se prolifera nas fezes do pombo. Quando elas secam, o vento carrega o fungo e daí o risco, porque ele pode ser canalizado pelo ar condicionado, entrar dentro do ambiente e as pessoas que respirarem esse fungo podem desenvolver a doença respiratória”, complementa a docente da Favet.
Além disso, as condições de vida dos pombos os fizeram sobreviventes da selva de pedra, uma vez que conseguem sobreviver – ainda que menos tempo – e se multiplicam de forma exponencial. A docente conta que o pombo, na natureza, tem potencial para viver 15 anos. “O pombo da cidade se reproduz muito, mas tem uma vida curta e sofrida porque ele acaba bebendo agua suja e ficando doente. A poluição também prejudica, ele acaba morrendo atropelado, acaba tendo maus-tratos, por isso sua vida é de cinco anos apenas”, destaca.
A reprodução também é diferente em cada lugar. Na natureza, ele se reproduz duas vezes ao ano. Já na cidade, o ciclo aumenta para oito vezes no mesmo período, o que representa que um pombo pode gerar uma ninhada – com dois ovos –, em média, a cada 45 dias. Cada ovo, segundo a docente, demora 20 dias para gerar uma nova ave e que aos 40 dias eles já estão voando, estando aptos para se reproduzir após três meses. Ou seja: nos centros urbanos cada pombo pode gerar 80 novos animais em toda sua vida. Se contarmos os novos filhotes, teremos um crescimento exponencial dos animais nas cidades.
Os três ‘A’ e os problemas
O convívio entre o pombo e o ser humano é uma realidade que pode ser presenciada em diversos pontos da cidade – desde as residências até espaços públicos. E essa aproximação se dá devida a uma conjunção de fatores que iniciam pela letra “A”: água, abrigo e alimento. “Eles acabam se proliferando devido a essas questões. Isso cria condições dela se reproduzir e acaba se transformando no que a gente denomina como praga urbana”, explica a docente.
Vale ressaltar que o pombo, tal como temos espalhados pela cidade não é uma ave nativa do Brasil. A professora Adriana Borsa relata que ele chegou junto com os colonizadores, adaptou-se ao ambiente e acabou se urbanizando, uma vez que encontra os três “A” mais facilmente. E não por acaso é na cidade – e mais especificamente na região central – que eles são encontrados com mais facilidade. “[Nesta região] é onde ele encontra mais água, abrigo e alimento”, expõe. “O pombo é uma espécie exótica, ou seja, não é nativa e não tem inimigos naturais, predadores. Ele sofreu uma antropização muito grande e hoje vive em torno do ser humano. Falam que é um rato de asas e realmente ele é”, completa.
E a solução para evitar problemas advindos do contato próximo é, ao mesmo tempo, simples e complexa: eliminar os três fatores que permitem a permanência e proliferação dos pombos e deste modo, controlar a praga. “A regra básica do controle é você eliminar os “A”, tirar a fonte de alimento, de abrigo e a água. As arquiteturas das cidades já favorecem o ninho dos pombos. A primeira coisa teria que se mexer nas estruturas, colocar empecilhos para eles nidificarem. Segundo ponto, o alimento. É muito comum as pessoas alimentarem os pombos, assim como gato e cachorro de rua. Na verdade, o pombo é onívoro, mas a disponibilidade de proteína dele é bem menor nas condições naturais. Na cidade, você observa que ele come até carne, resto de hambúrgueres. Ele come de tudo e essa oferta de proteína grande faz com que ele acabe se reproduzindo mais. E, por fim, também é necessário eliminar as fontes de água”, descreve a docente.
O mito, o problema e a conscientização
Mesmo com as possibilidades das doenças advindas pelo contato direto com os pombos, a legislação ambiental é específica e trata como crime a morte destes animais. A professora Adriana Borsa aponta que o, digamos, afeto a esse tipo de animal tem origens bastante profundas. “O pombo tem uma simbologia bíblica. Quando Noé estava na arca, ele achou que as águas tivessem baixado e primeiro soltou um corvo, que não voltou. Depois, ele soltou a pomba e ela trouxe o galho verde. Cristo quando foi batizado, está escrito na Bíblia, quem veio como o Espírito Santo foi o pombo. Na simbologia, o pombo é um símbolo de amor, paz, prosperidade e isso é bastante arraigado. Culturalmente não tem essa ideia de eliminar os pombos, como acontecem com os redores, que tradicionalmente foram vinculados a questão de doenças e destruições”, relata.
No entanto, na prática, a história é muito diferente. Sem condições de sobrevivência ideais nas cidades, os animais podem desenvolver doenças contaminando o ambiente com vírus e bactérias e, consequentemente, o ser humano. Como exemplo, a docente cita a Salmonella, os estafilococos e demais bactérias patogênicas.
Além disso, há, também, o cryptococcus. “Vale ressaltar que o vírus não está no pombo e sim no ambiente. Ele aproveita das fezes do pombo para poder se multiplicar e disseminar”, afirma a docente, esclarecendo um mito. “Achava-se que o pombo poderia transmitir toxoplasmose, mas não é verdade”, acrescenta.
Entretanto, além dessas possibilidades de contaminação, há outras. Uma delas é o piolho. “Devido ao hábito deles pousarem próximos às janelas de apartamentos, às vezes pode ter essa infestação e esse piolhos entram em contato com o corpo das pessoas, o que pode causar uma reação alérgica. Eles não ‘ficam’ no ser humano porque é especifico do pombo, mas acaba sendo um incômodo. Ele também pode afetar a avicultura. Por ser uma ave, o pombo é um reservatório de patógenos avícolas e transmiti-las para as aves de criação comercial”, analisa a docente.
E, apesar do risco à saúde de todos, o contato com o fungo que habita as fezes do pombo pode fazer vítimas especiais: crianças e idosos. “Podem ser contagiados pessoas imunossuprimidas, que estão com o sistema de imunidade em baixa. Além disso, os pombos também trazem problemas para os animais domésticos, pelo mesmo problema das fezes que hospedam os fungos”, continua.
Para diminuir – e combater o problema – a professora Adriana Borsa afirma que é necessário fazer um trabalho de conscientização. Sobretudo se a fontes de abrigo, alimento e água estiverem próximo de sua casa ou trabalho e não estão sob sua responsabilidade. “É interessante pessoas irem aos locais que estão fornecendo alimento pro pombo pessoas, conversarem ou até mesmo acionar a unidade de vigilância e zoonoses que faz o trabalho de orientação. Quanto aos abrigos, as empresas já dispõem de mecanismos para evitar o pouso e a nidificação, que é o uso de espículas, telas para evitar que entrem nas frestas e até algumas substâncias à base de citronela, que espanta pelo odor”, finaliza.
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