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Opinião profissional

Presidente da OAB Sinop comenta condução de Sérgio Moro na audiência com Lula

Para o advogado, apesar de alguns excessos, o rito da ação penal foi respeitado pelo magistrado

Geral | 13 de Maio de 2017 as 13h 07min
Fonte: Jamerson Miléski

Na quarta-feira (10), o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva se apresentou na 13ª vara criminal da Justiça Federal, em Curitiba, para a audiência de instrução e julgamento de uma das Ações Penais que integram a Operação Lava Jato, conduzida pelo juiz federal, Sérgio Moro. O enfrentamento dessas duas figuras icônicas do país repercutiu ao longo da semana. Trechos pinçados da audiência que durou 5 horas foram publicados nas redes sociais e noticiários, gerando uma ode de discussões e comentários. Alguns tentando definir quem teria sido o vencedor do embate, outros questionando a postura do juiz federal ou do ex-presidente da República.

Para discutir esse fato que dominou as rodas políticas, o GC Notícias procurou o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em Sinop, Felipe Guerra. Professor, advogado criminalista, filho de juiz, mas acima de tudo um conhecedor dos processos que envolvem a Ação Penal, Guerra analisou os ritos da audiência de instrução do ex-presidente e explicou para nossa reportagem os pormenores do depoimento.

Para Guerra, não houve um vencedor do embate porque essa não é a proposta de uma audiência de instrução. O advogado diz que muitas pessoas acabaram avaliando os vídeos da audiência como um “debate de televisão”, algo que está bastante distante da forma como a justiça opera. “O princípio Constitucional impõe que o Estado crie uma legislação infraconstitucional, que no caso é o Código do Processo Penal, que disciplina o rito de atuação de cada processo, justamente para que não existam julgamentos em situação de exceção. As regras estão impostas ali”, explica Guerra.

O interrogatório, que foi o que ocorreu na quarta-feira, é o ultimo ato da produção de provas. Antes disso existe a denúncia movida pelo Ministério Público, a intimação dos réus e o processo de produção de todas as provas, que culmina na audiência de instrução e julgamento. “Em regra, essa audiência de instrução deve ser ‘una’ [instrução com julgamento em audiência única], com todas as provas sendo produzidas em seu decorrer e no término, após o interrogatório do réu e das alegações finais da defesa e do Ministério Público, o juiz tem que prolatar a sentença. É isso que diz a lei”, comenta Guerra.

Sérgio Moro não expediu a sentença ao final da audiência. Segundo Guerra, em um processo de grande complexidade como esse, o juiz começa a excepcionar as regras. “O Lula foi interrogado porque todas as provas requeridas já haviam sido produzidas. Acontece que o desdobramento do depoimento do ex-presidente gerou novas dúvidas, fazendo com que seus advogados pedissem para não encerrar a instrução, listando mais 8 testemunhas para serem ouvidas. O juiz está obrigado a ouvir essas testemunhas? Se ele entender que já concluiu o julgamento com as provas e testemunhas já ouvidas, ele não precisa interrogar novas testemunhas”, conta Guerra.

Mas isso seria cair numa espécie de “arapuca” da defesa de Lula. Caso decida não ouvir novas testemunhas, os advogados do ex-presidente podem alegar cerceamento de defesa. “Muito do que se viu do comportamento do Lula na audiência faz parte da estratégia dos seus advogados para criar um terreno fértil para preparação de um monstruoso recurso de apelação, repleto de arguições de nulidades [quando são apontados atos nulos no processo penal]. Antes mesmo da instrução começar a defesa apresentou 23 arguições de nulidade”, analisa Guerra.

De uma forma geral, o presidente da OAB de Sinop acredita que Moro seguiu os ritos da Ação Penal, e conduziu a audiência com a postura que se espera de um magistrado federal a frente de um processo dessa envergadura. “Houveram excessos dos dois lados, da defesa e do magistrado, mas nada que comprometesse a lisura do processo. Se eu fosse o advogado do Lula estaria satisfeito com a condução”, atesta Guerra.

 

Os excessos

O excesso mais evidente dessa audiência de instrução foi o de tempo. Conforme Guerra, essa ação penal que envolve o ex-presidente diz respeito a dois fatos: o tríplex no litoral de São Paulo e o custeio do armazenamento dos bens de Lula depois que o mesmo deixou a presidência. “São dois fatos apenas, nessa ação penal. Certamente existirão outras relacionando Lula como réu na Lava Jato. Mas nesse caso, para uma ação penal com dois fatos, uma hora de audiência seria um tempo mais que generoso”, explica Guerra.

A audiência durou 5 horas, tempo suficiente para gerar embates desnecessários entre o juiz e o ex-presidente. Quando Lula listou os diversos ataques que tem sofrido pela imprensa e os danos pessoais dessa repercussão da Lava Jato, Moro interrompeu a fala do presidente dizendo que também tem sofrido incitações através de redes sociais e blog’s, alguns apoiados pelo ex-presidente. “O juiz não pode sair da situação de destinatário de provas. Ele é a figura do judiciário que vai receber todas as provas de um processo e julgar. É o que se espera do juízo natural, que avalie o caso com o máximo de impessoalidade e imparcialidade possível”, ressalta Guerra.

O fato de Moro ter citado falas do ex-presidente à imprensa, tecendo críticas ao juiz federal, totalmente alienígenas ao processo, na avaliação de Guerra, não viola o rito da Ação Penal. “Nesse momento o que Moro fez foi medir as incitações feitas por Lula, principalmente de manifestantes, contra a ação da Justiça Federal, Ministério Público e Polícia Federal. O que o juiz avaliou nesse caso foi se haveria um elemento autorizador de prisão preventiva, por ameaças as autoridades e testemunhas, que poderiam criar um impedimento no processo criminal. As perguntas, embora truncadas, eram para avaliar se a postura de Lula era de intimidação ao órgão jurisdicional. Se fosse, caberia sua prisão preventiva cautelar”, argumenta.

Outra rusga na audiência foi quando Moro começou a citar os outros escândalos de corrupção relacionados ao Governo Lula, como o Mensalão. Nesse momento os advogados interromperam dizendo que isso não fazia parte do processo que estava sendo julgado e, portanto, não poderia ser trazido para audiência. Guerra concorda. “Eu me defendo do que está posto na denúncia. Esses fatos que o juiz abordou não estava na denúncia. A intervenção dos advogados foi coerente. Por outro lado, a forma como foi feita, não foi a forma mais ‘republicana’ de atuar. Em uma audiência o advogado pode intervir na fala do juiz quando entende que o magistrado se excede nas perguntas, mas tem uma forma para isso. É preciso pedir questão de ordem, que é a autorização para falar”, ensina o presidente da OAB.

A listagem dos processos passados de Lula não foi jogada por Moro na audiência por acaso. Segundo Guerra, o que o magistrado fez pode ser explicado com base no artigo 59 do Código Penal. “No Brasil nos temos a chamada pena mínima e pena máxima, para o mesmo crime. Por exemplo, o crime de lavagem de dinheiro, que é o caso da denúncia do Lula, prevê de 2 a 8 anos de prisão. Para definir se é 2 ou 8 anos, o artigo 59 do Código Penal lista os elementos que devem ser considerados pelo magistrado para fixar pena, como antecedentes, comportamento, enfim, várias coisas. Uma delas é a Personalidade do Agente, no momento que vai fixar pena. Para aferir a personalidade do Lula, Moro acaba citando esses outros processos”, esclarece Guerra.

A postura do Moro em si no inquérito do Lula foi muito questionada. O Ministério Público, parte a quem cabe a acusação dos réus, não fez nenhuma pergunta para o ex-presidente. Todos os questionamentos foram dirigidos pelo próprio magistrado, dando um tom de enfretamento direto de Moro X Lula. “Quando o juiz toma uma posição muito proativa, cria-se a impressão de acusador, o que pode ser prejudicial do processo. O magistrado precisa ter sempre em mente que ele não pode sair da situação de destinatário final das provas”, complementa Guerra.

 

Um juiz ou um super-herói?

Sérgio Moro ganhou fãs em todo país e até um boneco inflável gigante na cidade de Sorriso, com seu rosto no corpo do Superhomem, o maior herói dos quadrinhos. O magistrado é tido por muitos como a última reserva moral do país, capaz de promover o banimento da corrupção no poder público. Para Guerra, o “ativismo judicial” é algo perigoso, que pode transformar a forma como o judiciário atua. “Antigamente, a TV Justiça é um canal que ninguém assistia, porque era tedioso. Hoje virou entretenimento, com as pessoas assistindo o enfrentamento de ministros do STF. O judiciário começou a ser assediado pela população e acabou se doando à mídia. No nosso estado mesmo basta abrir um portal de notícias para ver um juiz na capa. Alguns juízes, por conta do clamor popular, acabam tomando as causas como se fossem suas. Isso não pode acontecer. Nossa Constituição determina a separação da figura do acusador e do julgador”, comenta Guerra.

Para o presidente da OAB Sinop, esse assédio acontece porque o Brasil vive um momento de ausência de lideranças com características de probidade e decência, fazendo com que a população veja no judiciário um “reduto de novos políticos”. “Isso me preocupa. O anseio popular é fazer justiça a qualquer custo, mesmo que para isso sejam violadas os direitos de proteção do indivíduo. Esse comportamento pode gerar um resultado horrível no mundo das leis. Por isso, nós da OAB temos que, muitas vezes, nos portar para proteger o individuo dele mesmo, porque ele não tem noção do perigo que é a violação deliberada dos direitos conquistados a duras penas justamente para defende-lo dos abusos”, analisa Guerra.

Outra preocupação do advogado é a repercussão desse fenômeno do judiciário pós Lava-Jato. Para ele, embora o objetivo da operação seja nobre, não há como medir a repercussão dessa Ação Penal na Ação do João da Silva, um infrator genérico aqui em Sinop. Ou seja, como seria se os mesmos expedientes de investigação, muitas vezes violando as leis, fossem aplicados como “praxe” do judiciário?

“Eu sinto saudade do juiz discreto, que você só via ele de toga, que não se sentia parte do processo e que quase nunca aparecia na mídia”, comenta Guerra, desenhando um cenário bem diferente do que se vê hoje no país e no Mato Grosso.