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Especial

O pai do Pintado criado em tanque

Conheça a história do piscicultor que desenvolveu o peixe híbrido conhecido como Jundiára

Rural | 25 de Setembro de 2015 as 15h 56min
Fonte: Jamerson Miléski

Se você entrar em um supermercado para comprar um Pintado, principalmente entre os meses de novembro e abril, é muito provável que leve para casa um Jundiára. E dificilmente irá perceber a diferença. O híbrido, que de Pintado só tem o couro, provocou uma mudança significativa na piscicultura de Mato Grosso, tornando economicamente viável a criação de peixes de couro em tanques para abastecer os supermercados e indústrias.

O Jundiára, que nos mercados é apresentado comercialmente como Pintado, é o resultado do cruzamento de uma fêmea de Cachara – espécie bastante similar ao Pintado nativo, também carnívora, porém com maior peso – e um macho da espécie Jundiá Amazônico, que é onívoro e com o corpo recoberto de pintas.

Essas duas características foram repassadas para o Jundiára. Do Cachara o híbrido herdou o sabor da carne e a velocidade no ganho de peso. O resultado foi um peixe que se alimenta com rações a base de soja e milho, fica pronto para o abate em menos de um ano, tem gosto e aparência de Pintado.

O Jundiára foi um achado para a piscicultura de Mato Grosso e nós achamos o seu criador. Em um sítio pequeno, repleto de lagos, bem perto do centro da cidade de Alta Floresta, vive Ercio Luedke, o pai do Jundiára. Ou como ele prefere dizer, do “Cachadiá”. Até hoje o criador do híbrido estranha o nome que acabou popularizando a espécie. Segundo ele, no cruzamento das espécies o nome da fêmea vem primeiro e a terminação é do nome vem do macho. “É assim com a cruza do Tambaqui com o Pacu, que dá origem ao Tambacu, do Tambaqui com a Pirapitinga que dá o Tambatinga e com todos os outros peixes. Pra chamar Jundiára, teria que ser o cruzamento da fêmea do Jundiá com o macho da Pirarara”, comenta Ercio, que por sinal já está preparando o cruzamento dessas duas espécies. “Não é o nome certo, mas foi o nome que pegou”, completa o piscicultor.

O nome acabou se popularizando a partir de outros criadores que pegaram os alevinos produzidos na propriedade de Ercio. Ele conta que a maior dificuldade do processo foi desenvolver a técnica para extração do sêmen do Jundiá Amazônico, que precisa uma temperatura maior do que a empregada em outras espécies. “No início cheguei a ameaçar o Jundiá de morte. Não tinha jeito de fazer o bicho ejacular”, brinca Ercio.

O cruzamento deu certo. Os primeiros 150 alevinos resultantes foram repassados para conhecidos que possuíam tanques na cidade, como uma forma de testar o desenvolvimento, crescimento e o paladar do peixe após adulto. Foi nesse momento que os outros piscicultores rebatizaram o híbrido, convidando as pessoas para comer um Jundiára ou falando sobre a rentabilidade na nova espécie.

Mas como surgiu a ideia de cruzar justamente essas duas espécies? Só conhecendo essa figura para responder a essa pergunta. Ercio é um daqueles cientistas natos, sem diploma mas com uma imensa capacidade de se adaptar às situações diversas. Quando deixou o noroeste do Paraná para morar em Alta Floresta, na década de 80, o objetivo era cultivar frutas no Norte de Mato Grosso. Trouxe na mala diversas mudas de laranjeira e plantou em sua chácara. Não precisou mais de um dia para que as formigas dizimassem o projeto de pomar. A maioria das pessoas, frente a uma situação dessas, procederia de duas formas: desistiria do pomar ou atacaria as formigas com pesadas doses de inseticida. Ercio decidiu cavar um tanque e criar peixe. “Me lembrei que no Sul haviam algumas pessoas que tratavam os peixes com formigas. Como tinha muita formiga, não iria faltar comida para os peixes”, lembra Ercio.

Ele começou com as espécies que conhecia no sul: carpas, tilápias e Acará-uçú. Aos poucos foi conhecendo os peixes da região e testando novas espécies. As restrições ambientais e a própria adaptação dos peixes acabaram encerrando a criação das espécies “estrangeiras”. Ercio se concentrou na multiplicação das espécies nativas e nos seus cruzamentos.

Começou então uma verdadeira caçada por matrizes. Ercio conta que chegou a percorrer 400km com uma fêmea de tambaqui em um aquário improvisado dentro de um Corcel. Testando aprendeu sobre o tempo que cada peixe demora para ovular e como fazer a multiplicação dos alevinos. Com a diversidade de matrizes em seus tanques, o piscicultor começou a cruzar espécies. Tudo para fugir das formigas. Um desses resultados foi o Pintado que come soja.

Hoje Ercio não vende mais peixes por quilo. Sua atividade foi toda concentrada na reprodução, criação e venda de alevinos. Em seus tanques estão matrizes das espécies Tambaqui, Pirapitinga, Cachara, Caparari, Jundiá Amazônico, Matrinxã, Jatuarana, Piau, Corimba e Pirarucu. São 14 tanques apenas para a criação dos reprodutores e outros 60 para a maturação dos alevinos.   

Ercio comercializa cerca de 2 milhões de alevinos por ano. No momento, o mais procurado é a Tambatinga, híbrido resultante do cruzamento do Tambaqui com a Pirapitinga, também desenvolvido na sua propriedade. “Essa espécie tem a melhor taxa de conversão que já vi. Cada 1,3 kg de comida gera 1,2 kg de peixe. Além de ser um peixe com uma carne muito saborosa”, revela Ercio.

Nesse momento o piscicultor está estudando outros cruzamentos, testando o Pirarucu – peixe de escamas que passa facilmente dos 100kg – e o Caparari, um peixe de couro bastante similar ao Cachara, porém com maior porte, chegando aos 80 kg na fase adulta. “Se o chamado Jundiára, que é feito com a cruza do Cachara tem um bom ganho de peso, imagine o cruzamento com uma espécie maior, como o Caparari? O natural é que saia um híbrido com crescimento ainda mais rápido”, espera Ercio.

 

 

 

Dinheiro que é bom, nada!

Ercio trata a piscicultura de forma quase poética, mais como um estilo de vida do que como uma atividade econômica. Mas não se engane. Criar peixe dá dinheiro. Cada alevino de Jundiára é comercializado na região por um preço médio de R$ 2,00 com 10cm de tamanho – valor que pode dobrar conforme o porte.

Para Ercio, a piscicultura virou a principal atividade 6 anos após iniciar. Bem feito, garante, é um trabalho que pode ser bastante lucrativo. “A piscicultura é uma atividade tranqüila, que pode ser desenvolvida nas pequenas propriedades, por quem tem mulheres na família, não precisa de investimento e dá um bom lucro. Dá para tirar mais de 30% de lucro vendendo o peixe. Isso dá um salário que dificilmente quem está começando no mercado de trabalho irá ganhar na cidade”, revela Ercio.

Além disso, criar peixes em Alta Floresta é mais do que propício. O município possui mais de 6 mil cursos d’água identificados. A riqueza hídrica facilita a instalação de tanques para o cultivo de peixes. As legislações ambientais, rigorosas para as demais atividades agropecuárias exercidas na área pertencente a Amazônia Legal, são amenas para a piscicultura. Inclusive existe um estímulo muito grande a atividade no Estado.

Além disso, Mato Grosso é quente o ano todo. O calor que pode ser desagradável para alguns é crucial para o desenvolvimento do peixe, que se alimenta de acordo com a temperatura da água. Quanto mais frio o clima, menos o peixe como e menos carne produz.

E não falta o que o peixe comer. Mato Grosso é o maior produtor de grãos do país. Soja e milho, mais baratos por aqui, são a base das rações para piscicultura.

Em Alta Floresta, um hectare de lâmina d’água tem o mesmo rendimento de 10 hectares de soja. Os piscicultores locais estão produzindo entre 10 a 20 toneladas de peixe por hectares de lâmina d’água. O preço pago pelo quilo de pescado no mercado interno varia de R$ 6 a R$ 11. Isso dá uma média de R$ 120 mil por hectare/ano. Levando em consideração um lucro de 30%, o saldo líquido é de R$ 36 mil por hectare, enquanto um hectare de soja, bruto, rende R$ 2,8 mil.

A piscicultura de Alta Floresta é toda voltada para criação de peixes nativos, em especial os da família do Tambaqui, amplamente consumidos pelo mercado do Pará e Amazonas.

O peixe tem um ciclo que pode variar de 7 a 12 meses, de acordo com o manejo. Os animais são alimentados com ração, muitas vezes produzidas na própria fazenda. Cerca de 85% da ração é soja e milho. Um quilo de soja, que é o alimento mais caro que compõe a ração, é vendido por R$ 0,85. A técnica já desenvolvida faz com que 1,9kg de ração sejam convertidos em 1kg de carne de peixe. Ou seja, a cada R$ 1,70 jogado no tanque sai R$ 8,00 de peixe.

Segundo o presidente da Cooperativa de Piscicultores de Alta Floresta, Claudeci Santos, o município produz cerca de 1,2 mil toneladas por ano. Ou seja, 100 mil quilos de pescados nativos por mês. “O tambaqui é a espécie mais cultivada. A maior parte da produção é vendida in-natura para o pólo de Manaus e Santarém. O restante, em menor parte, é absorvido nas indústrias do Estado”, comenta o presidente.

A cooperativa é recente e conta apenas com 29 membros, mas a tendência é de crescimento. Segundo os dados da Aquamat (Associação dos Aquicultores de Mato Grosso), o Estado tem cerca de 950 piscicultores e 4 mil pessoas dependendo da produção para sobreviver. Os dados último Censo Agrícola, realizado em 2010 e elaborado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, apontam Mato Grosso como o maior produtor de peixe nativo e 5º na produção de peixe de água doce.

São 36 mil toneladas de peixes produzidos no Estado, número que dobrou em menos de um ano. Indicadores de que, dinheiro que é bom, nada!