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Artigo

Exercício sobre o risco hipotético de bloqueio a um grande banco brasileiro

06 de Agosto de 2025 as 22h 07min
Fonte: Eduardo Lima Porto

No último domingo, o especialista em riscos Luiz Henrique Lobo publicou um dos artigos mais importantes que li até o momento sobre o funcionamento silencioso e potencialmente devastador da #OFAC (Office of Foreign Assets Control), como instrumento geopolítico de coerção financeira.

Seu texto revelou, com clareza solar, como a exclusão regulatória funciona como uma nova forma de embargo 100% automatizada, extraterritorial e letal.

Inspirado por sua análise, trago aqui uma reflexão e proponho um exercício sobre o risco efetivo que já deveria ter sido motivo de debate intenso, mas que permanece sob um silêncio institucional desconcertante.

A pergunta é: o que aconteceria se um banco brasileiro de porte sistêmico fosse sancionado pela OFAC?

Imaginemos, mais especificamente, e se o Banco do Brasil fosse o alvo hipotético de uma sanção secundária?

A observação do que ocorreu recentemente com a Rússia remete a uma conclusão muito simples. Não é necessário sancionar um país inteiro, basta comprometer um de seus principais bancos para contaminar o sistema como um todo.

Caso, em um cenário hipotético, o Banco do Brasil viesse a processar pagamentos vinculados a agentes eventualmente sancionados, ainda que respaldado por decisão judicial doméstica, isso poderia, em tese, ser interpretado como uma violação, ativando mecanismos automáticos de exclusão no sistema financeiro global. A consequência imediata seria o encerramento unilateral das relações de “correspondent banking” com bancos americanos.

Sem acesso ao dólar, o BB deixaria de liquidar contratos de exportação/importação, honrar compromissos externos e de conseguir financiar uma parte expressiva da economia real (principalmente o Agro).

O cancelamento do SWIFT impediria os embarques da soja brasileira e todos os demais produtos de exportação, além de todas as operações de importação que dependem de instrumentos cambiais para os pagamentos.

Diversos serviços digitais ficariam suspensos, paralisando autenticações e a movimentação de milhões de contas correntes.

Como parcela significativa das reservas cambiais brasileiras está investida em títulos da dívida dos Estados Unidos, um bloqueio ou congelamento operacional desses ativos — ainda que sob alegação técnica de compliance — poderia comprometer severamente a capacidade de gestão do Banco Central, levando à desvalorização abrupta do Real e a um colapso cambial de difícil controle.

Outros bancos com relação de interdependência operacional com o Banco do Brasil também poderiam ser gravemente afetados, inclusive com risco de exclusão de sistemas internacionais de pagamento. Esse tipo de expulsão automática em cascata já se materializou em países como Irã, Venezuela e Rússia que na ocasião, foram tratados como não cooperativos por divergências com os EUA e UE que controlam as engrenagens financeiras globais. O Brasil, ao adotar uma nova postura geopolítica mais "desafiadora", poderia inadvertidamente ser associado a zonas de risco semelhantes.

O impacto de uma sanção da OFAC poderia ser sentido de forma imediata e abrupta, com reflexos concretos no cotidiano da população, especialmente em segmentos mais vulneráveis. Basta imaginar o impacto sobre aposentados e beneficiários da Previdência Social. Como explicar a um idoso que, por limitações tecnológicas ou bloqueios operacionais decorrentes de um impasse diplomático, ele não poderá sacar sua aposentadoria para cobrir necessidades básicas?

 

Um alerta muito além das análises setoriais

Apesar de as análises setoriais, como as que focam nos impactos comerciais de tarifas serem extremamente importantes e necessárias no momento, há que se considerar muito seriamente o risco real e profundo de alastramento sistêmico.

Enquanto tarifas de importação podem ser revogadas por decreto, uma sanção ampla sobre uma instituição financeira de porte sistêmico, como o Banco do Brasil, pode gerar consequências de ordem cambial, bancária, fiscal e principalmente social que não se reverte com facilidade, nem no curto prazo.

O Brasil está preparado para enfrentar uma escalada de sanções sistêmicas como as que já ocorreram em outros países?

A resposta é NÃO. E o artigo de Luiz Henrique Lobo, publicado recentemente, explicita esse diagnóstico com precisão.

Essa vulnerabilidade estrutural precisa ser reconhecida com seriedade, especialmente por aqueles que influenciam decisões estratégicas de política externa e segurança econômica.

O país ainda depende fortemente de importações de fertilizantes e agroquímicos para manter sua produtividade agrícola. Uma eventual interrupção nesse fluxo afetaria diretamente a segurança alimentar nacional.

Adquirimos a maior parte dos princípios ativos farmacêuticos do exterior. A maior parte da nossa infraestrutura hospitalar funciona com equipamentos importados que demandam peças de reposição e atualizações de software.

Também não somos autossuficientes na produção de combustíveis refinados, o que significa que choques externos no fornecimento de diesel e gasolina podem comprometer setores inteiros da economia.

Nossos sistemas financeiros, de telecomunicações e de posicionamento global (como o GPS) operam sobre infraestrutura tecnológica estrangeira, com contratos que, em última instância, podem ser suspensos por motivos políticos, comerciais ou jurídicos.

Além disso, boa parte das reservas cambiais do Brasil está alocada em ativos financeiros sob jurisdições estrangeiras, notadamente em títulos do Tesouro norte-americano. Isso implica que nossos "ativos de proteção" estão sujeitos a normas e interpretações que fogem ao controle soberano direto.

Mesmo sendo um dos maiores produtores de ouro do mundo, os estoques físicos do metal em poder do Estado brasileiro são extremamente baixos se comparados a países com menor complexidade econômica e estratégica.

Em resumo, somos estruturalmente vulneráveis e profundamente interdependentes, mas insistimos, em todos os espectros políticos, em adotar retóricas e posturas internacionais como se fôssemos uma potência autônoma. Essa dissonância entre discurso e realidade nos expõe desnecessariamente, cobrando um preço muito alto!

 

A verdade incômoda sobre Soberania

A noção de soberania estatal tornou-se um fetiche retórico, frequentemente invocado por quem ignora ou deliberadamente esconde a realidade operacional de um país como o Brasil.

Falar em soberania sem: (i) reservas em ouro ou ativos conversíveis; (ii) capacidade militar efetiva; (iii) autonomia tecnológica, energética e alimentar e (iv) sistemas financeiros resilientes e descentralizados, é o mesmo que declarar "independência" morando na casa dos pais.

É conversa fiada de “piá pançudo”, aquele tipo de guri mimado, cheio de opinião e nenhum senso de realidade, como se diz no interior do Rio Grande do Sul.

Quem sustenta essa retórica sem nenhum lastro ou sem os meios concretos é, no mínimo, ingênuo. No limite, é intelectualmente desonesto ou um verdadeiro canalha.

A soberania real se constrói com energia, infraestrutura moderna, tecnologia, ouro, defesa, competitividade de custos e, principalmente, com REPUTAÇÃO.

Sem isso, qualquer bravata institucional que desafie as engrenagens do sistema global será apenas um ato de imprudência disfarçado de coragem.

Diplomacia Econômica não é fraqueza. É Inteligência absoluta!

Confrontar as sanções da #OFAC, mesmo sob a bandeira da soberania, é uma decisão que exige consciência plena do custo sistêmico que poderá provocar.

Não se trata de subserviência, mas de reconhecer que o Brasil historicamente carece — e ainda carece — de resiliência estratégica suficiente para sustentar uma ruptura, mesmo em cenários regionais com países menores.

Antes de acionar o botão de confronto, é preciso construir:

  • Autonomia tecnológica;
  • Infraestrutura logística robusta;
  • Reservas conversíveis em múltiplas jurisdições;
  • Capacidade de operar fora do dólar, do SWIFT e das Big Techs americanas.

Até lá, a diplomacia e a prudência não são sinal de covardia, mas de responsabilidade com 220 milhões de brasileiros.

 

*Eduardo Lima Porto é formado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Diretor do Owner at LucrodoAgro - Consultoria Agroeconômica.

Eduardo Lima Porto

Opinião

*Eduardo Lima Porto é formado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Diretor do Owner at LucrodoAgro - Consultoria Agroeconômica.