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Artigo

Sinop, não saia do trilho

24 de Julho de 2025 as 18h 11min
Fonte: Jamerson Miléski

Ontem, quarta-feira (23), Guilherme Quintella esteve em Sinop fazendo propaganda da Ferrogrão. Para quem não sabe, Quintella é o pai de criação da ferrovia imaginada entre Sinop, no Norte de Mato Grosso, e Miritituba, no Pará. Presidente da empresa Estação da Luz Participações, Quintella liderou a equipe que elaborou os projetos e estudos de viabilidade da Ferrogrão, ainda no ano de 2012. O traçado, o tipo de trilho, o perfil da ferrovia e a promessa de que será viável... tudo que falamos da Ferrogrão parte dos estudos liderados por Quintella.

Digo que Quintella veio para Sinop “fazer propaganda” da Ferrogrão porque essa foi minha impressão. O presidente da Estação da Luz repristinou o já ancião estudo da ferrovia com breves e pontuais atualizações. Deu ênfase no impacto que a linha férrea vai gerar na redução do custo de frete em Mato Grosso – principalmente das commodities agrícolas para exportação – e incluiu no discurso a tal “Perspectiva de Descarbonização”, que basicamente tenta mensurar quanto Gás Carbônico deixará de ser emitido pelos caminhões uma vez que a ferrovia estiver operando. O argumento relativamente novo é a tentativa do empreendimento cativar a simpatia ambiental – não que de fato não seja válido. Particularmente acho que a Ferrogrão não vai acabar com o verde e sim com o vermelho do sangue que diariamente verte nessa BR-163, arena de uma involuntária rinha entre veículos de passeio e pesados cargueiros.

Quintella relembrou números da Ferrogrão afirmando que é o projeto ferroviário mais viável do Brasil. Mas também trouxe comparações europeias para afirmar que “não falta lugar em Mato Grosso para fazer ferrovia”. Ajuste na fala para tocar os ouvidos de quem já desistiu de apostar na Ferrogrão e está esperando pelo tronco da Ferrovia Norte-Sul, pela FICO+FIOL, pela Malha Norte Paulista ou mesmo pelos chineses com a proposta da Transoceânica. Todos estes são projetos em curso, que situam Lucas do Rio Verde como o local onde os trilhos se entrelaçarão. Para “somar”, Quintella falou de uma das poucas “novidades” na Ferrogrão, que é puxar um terminal até Lucas do Rio Verde, para entrar nessa festinha dos trilhos. Mas isso só na segunda fase, que por óbvio, depende da primeira.

Nessa ação de marketing da Ferrogrão, Quintella até gastou alguns minutos da sua palestra para contar a história de um técnico do DNIT, da época do Governo Dilma, que era um entusiasta do projeto e queria que a ferrovia fosse prioridade no projeto nacional. Esse técnico, Tarcísio de Freitas, depois se tornou ministro dos Transportes no governo Bolsonaro e no momento é convenientemente um “presidenciável”. Apesar do cargo e do entusiasmo de Tarcísio, a Ferrogrão não andou. No resumo da ópera, a Ferrogrão foi e voltou para estar no mesmo lugar que em 2017: sob análise do TCU (Tribunal de Contas da União), esperando a aprovação para ir a leilão. A expectativa do momento é de que isso ocorra ainda no primeiro semestre de 2026.

Eu não culpo Quintella por citar Tarcísio. Acho que faria o mesmo discursando para uma plateia sinopense. Não para pedir votos a um eventual presidente, mas para despertar a esperança no coração dos ouvintes que podem imaginar como a Ferrogrão ficaria mais perto se o candidato deles ganhasse. E é aqui que começo meu ponto.

Em toda essa mobilização da Ferrogrão, sobram pessoas para representar aqueles que tem interesse em ganhar essa concessão pública de 69 anos e construir a ferrovia. Quintella estava em Sinop também para isso. Também não faltam articuladores para olhar por aqueles que investiram bilhões em portos e estações de transbordo do Pará. O agronegócio? Famato, Aprosoja, Sindicatos… até os índios e os ambientalistas tem os seus. Cada um se mobilizando para que a Ferrogrão atinja seu interesse. Eu queria que Sinop também tivesse seus menestréis e baluartes para que a Ferrogrão não leve o grão e deixe o ferro para cidade.

Uma das coisas interessantes no encontro com Quintella foi a percepção de que não é a cidade que precisa se ajustar a ferrovia, mas ao contrário. A linha férrea, se acontecer ou quando acontecer, começará a ser construída em Itaituba. De lá, vem costeando a BR-163 até Sinop. Os trilhos chegam no município pelo lado esquerdo da rodovia federal (no sentido do Sul para o Norte). O projeto desenha a linha até a MT-220, onde passa por baixo da rodovia estadual por um viaduto e segue por mais 3 quilômetros. É isso que está no projeto. Significa que esse lugar será o terminal de cargas, onde a produção do Norte de Mato Grosso será embarcada? A resposta é não!

A cidade pode – e me atrevo dizer que deve – orientar onde terminarão os trilhos da Ferrogrão. É prudente e oportuno que o município se organize para produzir um Plano Diretor direcionado para a ferrovia, similar ao que fez, no afogadilho e por exigência, com o Aeroporto Municipal. Traçar parâmetros e defini-los com leis municipais para orientar como essa logística deve acontecer na “nossa casa”.

Vamos lembrar da concessão da BR-163, lá no ano de 2014. A sociedade local parecia estar tão ansiosa para que a iniciativa privada assumisse a principal rodovia do Norte que nem se importou em discutir como seria o projeto. Anos depois, quando tudo já estava acertado, veio o esperneio por mais viadutos e acessos. A hora de dizer como serão os trilhos na urbanidade de Sinop é agora.

Aproveitando o gancho da BR-163, lembro que é preciso pensar o impacto logístico da Ferrogrão com a técnica, não com os achismos. As obras recentes na rodovia evidenciaram o problema de ter uma dividindo o centro urbano da cidade. Não estamos na década de 90, BR não é avenida e viaduto não é rotatória. Precisamos pensar direito no impacto que essa ferrovia terá no trânsito e no transporte de Sinop.

Quando digo “precisamos” quero dizer que mais gente precisa. Já tem alguns “pensando”. Lá nos idos de 2019 tive uma conversa com Luís Antônio Pagot, o cara do DNIT. O assunto era Ferrogrão. Segundo ele a “pera” da ferrovia (que é o ponto final onde os trens dão a volta) seria no “pé de galinha” – como é chamado o cruzamento na MT-423 com a Estrada Judith e Estrada Clotilde, na quarta parte de Sinop. Tinha até um projeto rascunhado.

Anos depois o empresário e ex-deputado Dilceu Dal’Bosco, dono de vários hectares pertinho da tal “pera” lança um loteamento industrial de nome sugestivo: “O Eixo Norte”. Algo de errado? Não!

Calhou que no processo de concessão da BR-163 o acesso ao seu empreendimento não ficou desguarnecido. Um imponente dispositivo diamante foi projetado para o entroncamento da rodovia federal com a MT-423. Na época, frondoso demais para o “pesado” tráfego entre Sinop e Cláudia, mas à medida que os anos foram passando e novos projetos foram aparecendo, passou a fazer sentido.

Então nesse ano uma novidade apareceu na concessão da BR-163. Um caminhão de entidades peregrinou na ANTT e na Rota do Oeste pedindo mais viadutos na área central mas nada conseguiu. No entanto, um “viaduto extra” apareceu em março desse ano no entroncamento com a MT 438, uma estrada secundária que dá acesso a Vera, mas que não é pavimentada. Difícil de compreender a razão. Mas um sobrenome ajudará.

No dia 5 de julho de 2024 foi promulgada a lei estadual Nº 12.600, de autoria do deputado estadual Dilmar Dal’Bosco, irmão de Dilceu. Essa lei dispõe sobre a criação e implantação de um anel viário estadual no município de Sinop. Acredito que muitos estejam surpresos com essa informação.

O tal “Anel Viário” proposto em lei por Dilmar começa na MT-438, há 3 km do viaduto que surgiu do nada. De lá segue pelas estradas municipais Ângela e Viviane, até o entroncamento da MT-140 com a estrada municipal Clotilde, na comunidade Branca de Neve, depois percorre 12,94 km passando pelo entroncamento com estrada municipal Geralda até o entroncamento da MT-423 com a estrada municipal Judith, o tal "pé de galinha" onde a Pera vai estar. A lei prevê ainda que os trechos das estradas municipais do Anel Viário serão estadualizados. Ah! E o nome será Anel Viário Abel Dal’ Bosco, em homenagem ao pai de Dilmar e Dilceu. Por acaso eu havia visto esses e outros projetos logísticos na empresa do Dilceu, durante uma visita que fiz no começo de 2024.

Os Bosco já começaram a se preparar para os impactos logísticos e econômicos que a Ferrogrão vai causar se e quando acontecer. A cidade precisa fazer o mesmo, com o olhar mais coletivista possível. A especulação imobiliária sempre existiu em Sinop e sempre vai existir, vale pensar a que custo.

Sinop nasceu planejada. Seria interessante se continuasse nos trilhos.

Jamerson Miléski

O Observador