Herança
Sinop foi construída sobre um grilo de terras
Em ação, Justiça Federal afirma que escritura das terras da Colonizadora na faixa da BR-163 são fraudulentas
Geral | 15 de Dezembro de 2018 as 15h 21min
Fonte: Jamerson Miléski
As terras na área de domínio da BR-163, ao longo do território de Sinop, não pertencem a Colonizadora Sinop. A escritura primordial utilizada pela empresa que abriu a maior cidade do Norte de Mato Grosso é “ideologicamente falso”.
É o que aponta o laudo pericial produzido pela Polícia Federal, que integra o processo 0007195-09.1998.4.01.3600, da Justiça Federal. A investigação concluiu que a matrícula 1.717, de propriedade da Colonizadora Sinop, referente a 199 mil hectares, é “fruto de fraude”. Conforme o laudo, a empresa possuía 4 matrículas, referentes a áreas de terras que não eram confrontantes (vizinhas). Em determinado momento, a Colonizadora solicitou a unificação das matrículas, transformando as 4 porções de terra em uma só. Nesse processo, a empresa acabou anexando ao seu documento áreas que não lhe pertenciam.
Esse assunto só chegou a luz do judiciário por causa da própria Colonizadora Sinop. No ano de 2006, a empresa entrou com uma ação contra o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), pedindo a indenização por 464 hectares que teriam sido utilizados pelo Governo Federal para construir a BR-163 – rodovia que foi fundamental para viabilizar o empreendimento de colonização. Pela faixa de terra que teria perdido, a Colonizadora pediu R$ 36,9 milhões.
Quando a ação chegou ao juiz da 1ª vara da Justiça Federal de Mato Grosso, Julier Sebastião da Silva, o Ministério Público Federal solicitou a realização do laudo pericial, sob a acusação de que a área utilizada para construção da BR-163 não era de fato da Colonizadora. Baseado na investigação e nas provas produzidas, o juiz julgou procedente o incidente de falsidade, extinguiu o processo movido pela Colonizadora e determinou que a empresa pagasse as custas processuais, equivalentes a 20% do valor da ação – R$ 7,4 milhões. “O conteúdo do laudo produzido pelos peritos da Polícia Federal, constata que efetivamente a certidão dominial [da Colonizadora] é ideologicamente falsa, porquanto o remembramento da área nela documentada realizou-se ilegalmente, incidindo sobre propriedades de terceiros e mediante a superposição de títulos e áreas diversas. Não há dúvidas, destarte, à luz da prova pericial mencionada, de que o documento cartorário carreado para os autos pela Colonizadora, para demonstrar sua qualidade de proprietária do bem turbado [464 hectares] é fruto de fraude, tanto que áreas não contiguas viram-se remembradas do ponto de suas matrículas, sem que tal ato jurídico pudesse ser concretizado fisicamente, ante a flagrante impossibilidade de unificar áreas não confrontantes”, escreveu o juiz Julier, em sua decisão, no dia 23 de março de 2007.
A Colonizadora recorreu para segunda instância. A apelação, no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), se arrastou por 11 anos. Em março desse ano, 2018, o juiz federal José Alexandre Franco, expediu a sua sentença, confirmando o juízo da primeira instância, julgando pela extinção do processo. O magistrado de segunda instância manteve o entendimento de que o documento apresentado pela Colonizadora é falso e, portanto, ela não teria o direito a indenização pelos 464 hectares utilizados pelo DNER para abrir a BR-163. “Ainda que a apelante [Colonizadora Sinop], alegue a posse mansa e pacífica da área em litígio, a indenização pela desapropriação indireta não prescinde da validação do título de propriedade, seja por meio de pedido administrativo ou judicial de retificação de registro, seja por meio de ação de uso capião, nada obstando que, após tal providência, a parte volte a discutir judicialmente eventuais direitos decorrentes da construção da BR-163”, grafou o juiz do TRF-1.
Descontente com a decisão, a Colonizadora entrou com um recurso especial, no dia 6 de setembro desse ano. Com isso, o processo será levado para apreciação do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Cabe ao vice-presidente do TRF-1, analisar a admissibilidade do recurso. No dia 5 de dezembro de 2018, o processo ingressou na Divisão de Processamentos da Presidência do TRF-1, onde aguarda para ser despachado.
O que diz a Colonizadora?
Procurada pelo GC Notícias, a Colonizadora se resumiu a dar uma resposta sucinta através do seu assessor jurídico. A empresa disse que interpôs o devido recurso confiando na reforma da decisão, em razão da lisura da própria colonização.
Quem são os verdadeiros donos?
Se as áreas de terra cortadas pela BR-163, ao longo da antiga Gleba Celeste, não pertencem a Colonizadora, de quem elas são?
O laudo da Polícia Federal ajuda a responder essa questão. Na matrícula gigante que a Colonizadora unificou, segundo a justiça, “pegando” áreas de terceiros, estão 214 lotes, titulados e outros 14 títulos remembrados. Essa é a dimensão do croqui construído sobre o mapa elaborado pela Colonizadora Sinop para implantação do projeto de colonização.
E quando se observa esse croqui comparado ao mosaico do Intermat, novos velhos “donos” dessa porção de terra surgem.
Paulo Thomas, Luiz Antônio Ferreira da Silva, Alberto Barbour e Dizolina Ferreira possuem títulos de terra na mesma área correspondente aos 214 lotes. Vicente de Castro e Nelson Cândido de Oliveira tinham títulos de terra entre as terras que foram unificadas pela Colonizadora, que “pegou” essas áreas para sua matrícula.
Referente às áreas que margeiam a BR-163, originalmente tituladas pelo DCT, os donos “originais” são Selma Maria Brunini, Nelson Cândido de Oliveira, Onandir Paulo Lobo, Doll de Moraes, Loacyr Ferreira da Silva, Manoel Gonçalves Ribeiro, Ophelia Bellusci, Leory Bellusci, Guilherme Scapin e irmãos, Gabriel Octávio de Souza, José Pereira da Silva, Fredy Erik Larden, Ignes Jalles e Antônio Pereira dos Santos. São destas pessoas os documentos da área utilizada para abrir a BR-163 em Sinop.
Pelo laudo da Polícia Federal, o documento que a Colonizadora Sinop utilizou para comprovar ser a proprietária da Gleba Celeste foi fraudado, tomando a propriedade de 20 pessoas donas dos títulos dessas terras.
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